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A teologia do domínio perigosa

Miguel Debiasi

A perigosa teologia do domínio (II)

No primeiro artigo apresentamos informações do Cristianismo do século IV, mostrando o perigo, quando a Igreja é submetida aos poderes temporais. Também definimos conceito da teologia do domínio, seus protagonistas - as igrejas neopentecostais - que almejam submeter o Estado ao domínio da religião cristã. Neste perigoso projeto de conquista de poder, profana-se o nome Deus e a fé cristã, ação que precisa ser repudiada.

Avançando na reflexão sobre a teologia do domínio, trazemos uma afirmação da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, feita em agosto de 2022, durante um culto religioso e em homenagem ao pastor Márcio Valadão, líder da Igreja Batista Lagoinha, em Belo Horizonte, é preciso: “tirar o diabo do poder. É a guerra do bem contra o mal. O Palácio do Planalto foi um lugar consagrado aos demônios. Hoje, é consagrado ao Senhor Jesus”.

Para Michele, havia demônios no Planalto. Havia pacto com demônios. Mas, o Senhor ungiu o “messias”, que foi batizado no Rio Jordão pelo pastor Everaldo, preso em 2020. Os cultos religiosos pelo Brasil afora, em 2022, serviram para transformar Bolsonaro num homem “ungido” que veio para libertar o país e apresentar Michele como a serva do senhor, uma figura da Virgem Maria, santa e puríssima.

Os fiéis que vivem no mundo neopentecostal realmente acreditam na ideia do “ungido” do Senhor. Na lógica da teologia do domínio, é preciso fazer com que os ungidos do Senhor tomem o poder. Tomando o poder, o Brasil será uma nação consagrada no sangue do Cordeiro. É preciso conquistar o poder, quer dizer, o Estado Nação, submetê-lo ao domínio religioso.

A teologia do domínio compreende que será preciso reconquistar os Sete Montes. Para o doutor em Ciência da Religião, Pietro Nardella-Dellova, a teologia do domínio compreende os Sete Montes dessa forma: 

A família seria somente aquela que cabe no conceito tradicional definido: Pai homem, mãe mulher e filhos. A religião, somente as igrejas de matriz evangélica. A educação religiosa e não laica, civil. As mídias seriam empresas jornalísticas religiosas ligadas a esses valores e produzindo esses conteúdos diariamente. O lazer, aquele que incorpore tais ideias e práticas religiosas. Negócios feitos por fiéis que possam financiar a estratégia evangélica. E governo, o que identifique com tudo isso: criação de partidos, eleições de bancadas e de governantes, que professam a fé ou aceitam ser ferramenta dela para se atingir tal propósito.

Os interesses religiosos sempre estiveram presentes na política. Algo como ocorre com a Igreja Anglicana na Inglaterra, com Bolsonaro onde os grupos evangélicos ocuparam espaços de poderes estratégicos no governo e nos órgãos públicos, do Supremo Tribunal Federal (STF) como a escolha de André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”. A primeira dama Michele, no dia da aprovação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, divulgou um vídeo falando em línguas, como se fosse um anjo anunciando uma boa notícia, da “luta do bem contra o mal”. A ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humano, Damares Alves, adepta da Igreja Batista Lagoinha, percorreu o Brasil divulgando a teologia do domínio.

Para os adeptos da teologia do domínio, o país não pode ser entregue nas mãos dos inimigos, isto é, para não evangélicos neopentecostais. Tamanha fixação que as campanhas eleitorais se tornaram discurso pretensioso da teologia do domínio e os templos de culto neopentecostal em palanque político. Este movimento evangélico conservador busca transformar a democracia numa distopia teonomista, numa teocracia fundamentalista.

A teologia do domínio é um movimento de exta-direita, ultraconservadores, partindo do princípio bíblico que “Deus criou o homem e a mulher a sua imagem, os abençoou para que fossem fecundos e dominassem toda a terra” (Gênesis 1,27-28). Julgam que os “ungidos” de Deus precisam dominar sobre tudo e sobre todos, ou seja, conduzir o Estado, a nação.

A Constituição Federal do Brasil, no seu artigo 5º, assegura o caráter laico do Estado e o direito inviolável da pessoa humana de professar a sua fé na liberdade. A Igreja Universal do Reino de Deus foi criada em 1977, antes da Constituição Federal (1988), que promulgou o Estado laico. Em 2008, o bispo Edir Macedo afirmava que Deus é sobretudo um gestor da coisa pública e que tem um projeto para a nação. O Estado está adormecido, logo será preciso conquistá-lo para despertar a sua potencialidade desperdiçada.

A teologia do domínio abarca um projeto de poder nacionalista, assim, como o movimento nacionalista cristão dos Estados Unidos da América, como sionismo cristão. Para estes adeptos do nacionalismo cristão, foi um erro separar a religião da política, em razão disso, o mal predominou, ganhou terreno. É questão de salvação humana conquistar o poder, o Estado. Com leitura fundamentalista do Antigo Testamento, veem na esfera pública o mal, e um Deus que luta pelo bem (Gênesis 32,23-33; Êxodo 11). A presença do mal é inadequada e o bem supremo não pode ser eliminado. O bem é sinônimo de pessoas adeptas a este movimento cristão e com os diferentes nunca pode haver concessão.

Na interpretação dos textos do Novo Testamento é impossível fundamentar tal pretensão da teologia do domínio. Jesus Cristo foi muito contundente no ensino: “Devolvei, pois, a César o que é de César, e o que é de Deus, a Deus” (Mateus 22,21). O poder temporal e o poder espiritual não se confundem. O Reino de Deus não se confunde com o reino de césares. Jesus Cristo ensina que o Reino de Deus é aberto para todos os povos, a todas as criaturas (Marcos 16,15). O Reino de Deus pode ser aceito pelos cristãos, pelos judeus, pelos muçulmanos e por aqueles que não têm religião, basta possuir a fé e suas obras.

A fé em Cristo tornou-se um advento universal, assim, como o Cristianismo, em razão do Reino de Deus, depende da fé que cada pessoa tem no coração (Gálatas 3,23-29). O Reino de Deus não implica exclusividade e domínio absoluto. A doutrina religiosa que não aceita esse princípio exclui os outros, os diferentes buscam o poder, a dominação. A história já diz que isto é algo perigoso, elimina o Evangelho e os outros. Constantino usou da religião para promover a política do Império. Os adeptos da teologia do domínio da política para promover o movimento cristão ultraconservador.

Nem todos os membros das igrejas neopentecostais são adeptos da teologia do domínio, conheço muitos e os admiro pela sua fé cristã profética, mas são a minoria. Resta-nos torcer que essa minoria seja vencedora, elevando a consciência cristã ao Evangelho.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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