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Subsídios exegéticos o Batismo de Jesus

por João Carlos Romanini

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana para o 12/01/20

Foto: Divulgação

 

 

BATISMO DO SENHOR

Evangelho: Mt 3,13-17

Primeira Leitura: Atos dos Apóstolos 10,34-38

Segunda  Leitura: Isaías 42,1-4.6-7

Salmo: Sl 28,1a.2.3ac-4.3b.9b-10 (R.11b)

 

O batismo da parte de João é o momento da manifestação de Jesus, ou podemos também dizer o primeiro emergir da sua autoconsciência messiânica. Depois da pregação messiânica do seu precursor, Jesus se revela no segredo da sua vocação; vem individuado como aquele “mais forte” que João havia reconhecido no círculo dos seus discípulos.

Tudo isso é muito evidente em Marcos, onde o batismo revela ao leitor, pela primeira vez, a identidade de Jesus. Em Mateus é um pouco diferente, enquanto a qualidade messiânica de Jesus já está revelada desde o momento de seu nascimento, da sua inserção na genealogia real que faz dele o “Filho de Davi”, e da sua concepção pelo Espírito Santo que faz dele o “Filho de Deus”.

Mc 1,4 e Lc 3,3 afirmam que João foi ao deserto “pregando um batismo de conversão para a remissão dos pecados”. Mateus não diz assim. Ele evita associar o batismo de João à “remissão dos pecados”. A razão está na vontade de Mateus de atribuir o poder de remir os pecados a Jesus somente e também ao caráter expiatório da sua morte. Nas palavras da instituição da eucaristia, Mateus é o único a transferir a cláusula que Mc e Lc atribuem ao batismo: “isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, derramado por muitos, para o perdão dos pecados” (26,28). Mateus elimina a dificuldade do batismo para a remissão dos pecados, ao deixar de afirmar que o batismo de João seja dotado do poder de remir os pecados.

Isso leva a duas principais alterações que Mateus faz à história marcana: 1) Mt insere um diálogo entre Jesus e João, no qual este aparece hesitante acerca da oportunidade do batismo de Jesus; 2) as palavras celestiais, depois do batismo, não são endereçadas a Jesus, mas transferidas à terceira pessoa e dirigidas aos presentes, aos que testemunham a cena.

O diálogo entre Jesus e João (v.13-15). Mc escreve que “Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi batizado por João no Jordão” (Mc 1,9). Mateus transforma a cena: “Jesus veio da Galileia ao rio Jordão até João, para ser batizado por ele”. Manifesta uma intenção. Não é ainda dito que Jesus se fez batizar. Na verdade João “se opunha”. Por que desejava impedi-lo? João sabe quem é Jesus. A razão do titubeio de João Batista é expressa candentemente: “Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e tu vens a mim?”. Aqui se invertem as partes e Jesus, que é o mais forte, se submete a João. Parafraseando: “Eu tenho necessidade do teu batismo de Espírito e fogo, e tu vens ao meu batismo de água?”.

Por que, então, Jesus se deixa batizar por João?

É uma escolha que faz parte do mistério da kénosis, da humilhação voluntária. Jesus, no evangelho segundo Mateus dá uma resposta insistindo aspecto obediencial: “Deixa estar por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça” (v.15). Jesus e João, juntos, vão “cumprir” uma vontade divina que atualiza toda justiça. Expressão que equivale a “realizar”, “dar pleno cumprimento” à Lei e aos Profetas (5,17). O verbo cumprir (pleróo) é usado por Mt em dois sentidos: a) para realizar na vida de Jesus as profecias do AT (citações que se realizam); b) para radicalizar as exigências da Torá (discurso da montanha). No texto da liturgia, os dois sentidos estão presentes, pois “cumprir toda a justiça” não se contrapõe a “praticar a injustiça”, mas a “praticar uma justiça parcial”. Essa justiça superabundante (5,20) é a norma à qual Jesus se submete também no batismo.

O batismo de Jesus vem retratado em apenas dois versículos (3,16-17) que se compõe de quatro elementos: a saída da água; a abertura dos céus; a descida do Espírito de Deus; a voz celeste.

Batizado, Jesus subiu imediatamente da água”. O verbo “subir” (anabaíno) evoca, obviamente, um “descer” que o texto subentende: acontece uma imersão e uma emersão. O batismo possui um grande valor simbólico associado à morte-ressurreição. Mas a anábasis, a subida Jordão, recorda também a passagem do rio feita pelos filhos de Israel, sob a liderança de Josué. No batismo de Jesus temos vínculos com a morte-ressurreição e o ingresso pascal na terra prometida.

Os céus se abriram e ele viu o Espírito de Deus descendo como uma pomba”. A abertura dos céus significa a possibilidade de uma visão do mundo divino, ou das coisas que devem ainda acontecer. No caso de Jesus, podemos conjecturar uma previsão a respeito dos acontecimentos aos quais estava sendo chamado. A analogia entre o Espírito e a pomba pode ser interpretada a partir do movimento de descida do alto que sugere, biblicamente, o “agitar das águas” pelo Espírito de Deus (Gn 1,2) no princípio da criação. Note-se que Mc menciona somente “Espírito”, e Lc “Espírito Santo”, enquanto Mt fala do “Espírito de Deus”. Agora, num certo sentido, o mesmo Espírito é ativo em vista de uma nova criação.

Uma voz vinda dos céus dizia”. Em Mt a voz celeste é dirigida aos expectadores da cena, na terceira pessoa: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo”. Transforma a revelação a Jesus em uma proclamação de fé eclesial. O conteúdo da voz é uma passagem da profecia do servo do Senhor em Is 42 que, no entanto, em Mateus, sofre uma reinterpretação em função do batismo de Jesus. “Filho” toma o lugar do “servo”, e “amado” substitui o “eleito”. As referências bíblicas aludem ao messianismo sofredor, prefigurando a missão de Jesus no mesmo horizonte do servo do Senhor. Os textos da festa do batismo de Jesus nos ensinam que o Filho-Messias não é um conquistador político, senão “o Servo” que prega o Reino dos céus e sofre a paixão. Na descida do Espírito do Senhor se pode ver a doação do Espírito prometida para os tempos messiânicos.

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Subsídio elaborado pelo Grupo de Biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana

Dr. Bruno Glaab – Me. Carlos Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló - Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno

ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE FRANCISCNA

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