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Uma pátria para chamar de nossa

Vanildo Luiz Zugno

 

Muito recente é a pátria-Brasil. Talvez um século. Sendo generoso, século e meio. Pouco mais talvez. Até 1922 éramos colônia. Colônia é o que não é por si mesma. É o colonizador quem a diz a partir de sua Pátria de origem. Colônia de Portugal. Mais precisamente: de Sua Majestade o Rei de Portugal. Ele é o pai da pátria, o dono das terras.

Pátria vem do latim pater. Em latim, pai. No caso, o rei de Portugal. Os que habitavam suas terras, eram seus filhos. Legítimos e reconhecidos alguns. Bastardos e desconhecidos, a maioria. Filhos de uma pátria que não os reconhecia como seus. Escravizados os negros. Peças d’África. Ou selvagens a serem domesticados. Nativos colocados à força dentro do domus, da casa do pai. Como escravizados. Jamais como filhos.

Com a Independência, a pátria não mudou de dono. O filho do rei de Portugal assumiu a coroa e fez destas terras a sua pátria. Muitos queriam sua própria pátria: Confederados do Equador, Farrapos do Sul, Cabanos do Grão-Pará, Praieiros de Pernambuco. Só os uruguaios conseguiram e da pátria-Brasil fugiram. À força de muitas guerras formou-se o Império do Brasil. O império da família Orleans e Bragança. Pedro I antes e Pedro II depois. Uma pátria onde mais de metade da população não podia assentar raízes. Não lhes era reconhecida como sua terra. Eram escravizados. Peça d’África aqui reproduzida do ventre escravo. Uma pátria de escravos não é pátria. É casa-grande-e-senzala. Mais senzala que casa grande. Pelourinho; porão; açoite e morte.

O medo de um grande Haiti fez branquear o Brasil. A migração foi a solução. Germânicos, poloneses, espanhóis, italianos, portugueses. Migrante não tem pátria. É hóspede na terra de outro.

O fim da escravidão trouxe a República. Mas a pátria continuou privatizada. A Velha República era do café com leite. O Império virou Fazenda. Donos da terra, da planta e do gado. Donos das gentes que aqui viviam. Os antigos escravos ainda não eram livres. Só passaram a ser reconhecidos como “nacionais” em 1910. Mas sem direito à terra, sem cidadania. Brasileiros de segunda categoria.

O Estado Novo ensaiou um projeto de nação. Fascista, elitista, autoritário. Com um viés nacionalista afinal. O suficiente para ser derrubado pela “revolução” de 1964. Um golpe entreguista que negou a pátria em nome do Império. Não mais o monarquista Orleans e Bragança caricatural. O império agora é do capital. Não tem pátria. É o império do dinheiro, dos bancos, do capital, estrangeiro ou nacional.

Passada a tormenta da ditadura, quisemos uma Nova República. Uma constituição com gosto de cidadania. Aquela de 1988. Universalização da saúde, da cultura, da educação. Trabalho com dignidade, respeito, dignidade. Uma pátria de cidadãos. Não de terra física só. Uma pátria palco de sonhos, de futuros, uma casa sem muros, aberta para todos. Não apenas pátria. Queremos mátria e frátria, uma terra de irmãos e irmãos. O que nos une não é só passado. O passado é dado, é fechado. Mas pode ser alterado. Pátria não é propriedade. Pátria é cidade, universalidade, multidiversidade, pluralidade, felicidade.

7 de setembro ficou para trás. 15 de novembro está no passado. A pátria futura é 20 de novembro, 19 de abril, 8 de março, 28 de junho. A pátria é todos os dias. Pátria é cidadania, real, plena a cada dia. Pátria é, acima de tudo, fantasia. Pátria é utopia.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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