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Todos ao trabalho

Miguel Debiasi

 

A palavra trabalho deriva do latim tripalium ou tripalus, que significa uma ferramenta de madeira de três pernas que imobilizava cavalos e bois para serem ferrados. O nome também remete a um instrumento de tortura usado contra escravos e presos, que originou o verbo tripaliare cujo o significado era “torturar”. Com esse instrumento os agricultores debulhavam o trigo, as espigas de milho, o linho, para rasgá-los e esfiapá-los. Hoje, com tanta mecanização todos precisam de trabalho.

Na Antiguidade, como no período pré-histórico, o trabalho estava associado a fardo e sacrifício. Na Grécia Antiga, o trabalho era desprezado pelos cidadãos nobres e livres. O filósofo Platão considerava o trabalho ou exercício das profissões vil e degradante. No início da história da salvação, Adão por expiação do pecado precisou trabalhar para ganhar o pão como o suor do seu próprio rosto (Gênesis 3,19). No período do Império Romano o trabalho era visto como tarefa penosa e humilhante, e nos primeiros anos do cristianismo, como punição pelo pecado.

A concepção de trabalho como elemento da identidade e autorrealização humana, foi constituída a partir do Renascimento, entre os séculos XIV e XVI, período de transição da Idade Média para a Moderna. Nesse período o pensamento, artes, escultura e escrita foram gradualmente mudando a partir da retomada das referências greco-romanas. O trabalho adquire um significado intrínseco, as razões para trabalhar estão no próprio trabalho e não fora dele. Isto significa que o trabalho deixa de ser visto como ocupação servil, torna-se meio que propicia o desenvolvimento da vida humana e a ocupação/atividade transforma-se em instrumento de liberdade; é algo inserido num contexto econômico, político, cultural e social; e havendo tantas diversidades leva as pessoas a terem vivências e atividades distintas.

Historicamente há duas perspectivas distintas do trabalho, uma refere-se ao caráter negativo e outra a dimensão positiva. A negativa, é pensada pela filosofia grega e fortalecida pela formação cultural cristã, o trabalho representa castigo divino, punição, fardo, incômodo, carga, algo esgotante para quem o realiza. A positiva, o trabalho é visto como espaço de criação, realização, crescimento pessoal, possibilidade de o homem construir a si mesmo e marcar sua existência no mundo. Jesus Cristo faz essa experiência: “Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho (João 5,17).

O trabalho está para o sentido da máxima realização das pessoas. A pessoa humana tem sua identidade relacionada ao trabalho. Na produção artesanal, o trabalhador/artesão acompanha e interfere em todas as etapas do processo produtivo. O artesão identifica-se com o seu produto, pelo qual sente-se criador e responsável pelos resultados obtidos pelo trabalho.

Na produção industrial o trabalhador não está identificado com o produto de seu trabalho. Entre o trabalhador/operário e o produto estabelece-se uma racionalização e automatização. Foi retirada a emoção do local de trabalho pela programação, controle e cálculo preciso, considerados determinantes. Nessa modalidade o cronômetro entra nos lugares de produção, apodera-se dele, regula, domina, ultrapassa os seus muros. O modelo de produção industrial impõe suas formas de relacionamento humano e de convivência social e como resultado caracteriza a sociedade moderna.

Os métodos de produção industrial mais sofisticados como taylorista e fordista, empregados nas maiores redes de indústrias/fábricas tem o poder de influenciar as organizações sociais, incluindo a Igreja e a família. O trabalhador reproduz os valores e modelo das indústrias/fábricas em qualquer espaço social de convivência e pertença. Tudo é monitorado, o tempo, horários, lazer, ideias, devem estar adequados a não interferir na disposição e na produtividade. Nessa modalidade, trabalhador e trabalho estão para a produção de bens, matéria, para produtividade em série.    

A mudança de concepção e de modalidade de trabalho provocou a perda da identidade do trabalhador/operário. A consequência desse processo foi a organização social na perspectiva de classes sociais. O feriado de 1º de maio é data símbolo de luta de classes e de perspectivas sociais, dia do trabalhador reivindicar direitos trabalhistas, como de trabalho digno.

Para os autores da obra A Treliça e a Videira, Tony Payne e Colin Marshall, trabalhar é uma parte boa e fundamental do ser humano no mundo. Nos textos bíblicos como de Gênesis relata que a humanidade foi colocada no jardim (no mundo) para trabalhar nele e guardá-lo, como obra de Deus (Gênesis 2,15). O próprio Jesus Cristo incentivou aos seus seguidores a trabalharem para além da necessidade da comida e da produção de bens, prioritariamente para a construção do Reino de Deus (Mateus 20,1-16).

São Paulo anima os primeiros cristãos para trabalharem também para ajudar aos outros, como sinal de caridade e comunhão de vida humana e de realização do Reino de Deus (Efésios 4,28; 1Timóteo 5,8).

Todo trabalho é muito valioso para o ser humano, sendo exercido como sinal de humanidade livre e digna. Pelo seu mais profundo sentido e pelos seus imensuráveis benefícios, toda pessoa deveria ter acesso ao trabalho.

No Brasil o desemprego está em tendência de redução acima do esperado pelo governo, empresários e sociedade.  A taxa de desemprego de 7,9% é a menor em nove anos. Para o bem toda população brasileira que a redução do desemprego continue a cair acima do esperado e que o amanhã seja um dia mais digno para todos pais de famílias.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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