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Toda Família é Sagrada

Vanildo Luiz Zugno

 

No primeiro domingo depois do Natal, a Igreja Católica Romana celebra a Festa da Sagrada Família. Nossa fé afirma que Deus se fez humano no ventre de Maria e dela nasceu o Salvador da humanidade na estrebaria de Belém pois na cidade de Davi ninguém quis acolher o jovem casal de migrantes que, por imposição do Imperador Romano, regressavam à sua terra natal para o censo obrigatório.

Uma família sagrada. Uma família santa e modelar. Uma família nada normal. Segunda o texto bíblico de Lucas e de Mateus, a geração do Messias Jesus não teve causa humana. Foi ação do próprio Deus pois, segundo a fé judaico-cristã e de todas as religiões, a Salvação é obra única e exclusiva de Deus. Se um humano, no caso José, fosse o causador do nascimento do Salvador, não haveria necessidade de fé nem de religião, pois seriam os humanos capazes de salvarem-se por si mesmo.

Para dizer que a causa da Salvação é Deus, a Igreja afirmou, desde o seu princípio, a virgindade de Maria. Se uma mulher que nunca tivera relações sexuais com um homem podia gerar um filho, isso só podia ser obra de Deus. Como contrapartida, a Igreja atribuiu a José o título de “pai putativo” de Jesus. Em algumas orações, ainda encontramos esta formulação um tanto estranha aos ouvidos modernos. “Pai putativo” é uma definição técnica do direito romano pela qual se diz que algo foi feito ou contraído indevidamente, mas de boa-fé, por ignorância dos motivos que o invalidam. No caso, José é o pai putativo de Jesus. Se seguirmos, no entanto, o Evangelho de Mateus, José sabia que Jesus não era seu filho e sabia também os motivos disso acontecer. No texto de Mateus, o anjo afirma a José que isso deveria acontecer para que a Salvação de Deus chegasse à humanidade. Sabendo disso, José assumiu oficialmente o menino que iria nascer de Maria e, quando isso aconteceu, deu-lhe, seguindo a indicação do anjo, o nome de Jesus. Na tradição bíblica, dar nome a alguém é reconhece-lo como seu. E, sempre na tradição hebraica, José e Jesus têm a mesma raiz etimológica. Numa linguagem mais compreensível ao modo corrente de falar, José é o pai adotivo ou padrasto de Jesus e Jesus é enteado de José.

A Sagrada Família de Nazaré que celebramos no primeiro domingo depois do Natal, era uma família nada normal para os padrões judaicos de sua época. E também não o seria para o imaginário comum dos discursos religiosos atuais. Mas uma família muito próxima às famílias reais brasileiras tal qual registradas nos dados do Censo 2022 do IBGE. Famílias cada vez menores (a média de pessoas por família é de 3,07 pessoas), com um número cada vez menor de filhos (média de 1,4 filhos por mulher), famílias cada vez mais monoparentais (30,7 % das famílias são formadas por casais com filhos), 27,5% de casais de sexo diferente vivendo juntos sem ter filhos e 0,54% de famílias formadas por duas pessoas do mesmo sexo.

Segundo a tradição, a Sagrada Família era composta por apenas três pessoas (quase na média das famílias brasileiras), Maria teve apenas um filho (um pouco menos que a média das mulheres brasileiras), José e Maria viveram juntos sem terem outros filhos além de Jesus (assim como 27,5% dos casais heterossexuais brasileiros) e, quando José faleceu, Maria ficou morando sozinha com Jesus até que Ele deixar a casa de Nazaré para iniciar sua missão.

Foi esta família concreta que Deus fez sua “casa” para manifestar a salvação ao mundo. O Verbo de Deus feito carne viveu a concretude das famílias de seu tempo e soube nelas manifestar a Graça de Deus como lembra o Papa Francisco na grandiosa e tão esquecida Amoris Laeititia: O próprio Jesus nasce numa família modesta, que à pressa tem de fugir para uma terra estrangeira. Entra na casa de Pedro, onde a sua sogra está doente (cf. Mc 1, 29-31), deixa-Se envolver no drama da morte na casa de Jairo ou no lar de Lázaro (cf. Mc 5, 22-24.35-43; Jo 11, 1-44), ouve o pranto desesperado da viúva de Naim pelo seu filho morto (cf. Lc 7, 11-15); atende o grito do pai do epiléptico numa pequena povoação rural (cf. Mc 9, 17-27). Encontra-Se com publicanos, como Mateus ou Zaqueu, nas suas próprias casas (cf. Mt 9, 9-13; Lc 19, 1-10), e também com pecadoras, como a mulher que invade a casa do fariseu (cf. Lc 7, 36-50). Conhece as ansiedades e as tensões das famílias, inserindo-as nas suas parábolas: desde filhos que deixam a própria casa para tentar alguma aventura (cf. Lc 15, 11-32) até filhos difíceis com comportamentos inexplicáveis (cf. Mt 21, 28-31) ou vítimas da violência (cf. Mc 12, 1-9). Interessa-Se ainda pela situação embaraçosa que se vive numas bodas pela falta de vinho (cf. Jo 2, 1-10) ou pela recusa dos convidados a participar nelas (cf. Mt 22, 1-10), e conhece também o pesadelo que representa a perda duma moeda numa família pobre (cf. Lc 15, 8-10)”.

Que a Festa da Sagrada Família seja um momento de olharmos para a realidade das famílias brasileiras e, como nos pede o Papa Francisco na Amoris Laetitia, deixemos de lado as teses abstratas e possamos olhar com olhos compassivos e misericordiosos a cada família concreta em seus sofrimentos, alegrias, buscas e esperanças e nelas perceber a sacralidade muitas vezes imperceptível aos olhos humanos.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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