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Sobre reformas e sínodos

Vanildo Luiz Zugno

 

No próximo dia 31 de outubro celebramos o Dia da Reforma. Nesta data, no ano de 1517, o monge agostiniano Martilho Lutero expôs, como era de costume para as coisas importantes, na porta da Igreja de Wittenberg, 95 teses para uma sessão de Quaestiones Disputatae.

Frei Martinho era professor titular de Bíblia na Faculdade de Teologia da Universidade daquela cidade. Discutir publicamente posições teológicas era uma prática comum na época. O tema central das 95 teses eram as indulgências. Era um tema sensível que mexia com duas questões fundamentais: a salvação da alma e o dinheiro no bolso. Mas não era uma questão simples. Ela mexia com dois tópicos fundamentais da fé cristã e da organização da igreja: a graça salvadora de Deus na cruz de Jesus Cristo e a autoridade do Papa em declarar a salvação em troca de dinheiro.

Lutero sabia que estava mexendo com fogo. Mas ele nunca se propôs a dividir a Igreja. Ele, como tantos outros em seu tempo, queria uma reforma. E o caminho para alcançá-la, como era a tradição mais antiga, se daria com da realização de um concílio. Quando o incêndio se alastrou pelo Sacro Império Romano Germânico e alcançou toda a Europa, ele insistiu na necessidade de um grande diálogo a fim de resolver a questão. O jogo de força entre o Papado, o Imperador, os príncipes alemães e o rei da França tornaram o Concílio impossível. Cada um defendia seu interesse e os ideais do Evangelho ficaram em segundo plano. A crise prolongada pela não vontade de dialogar desaguou na tragédia. Quando Paulo III, em 1546, finalmente aceitou a realização do Concílio, já era tarde. A divisão do cristianismo no Ocidente estava consolidada e perdura até hoje. Trento erigiu uma das posições teológicas em dogma e declarou todos os que pensavam diferente como excluídos da Igreja.

Cincos séculos depois, no mesmo mês de outubro, quem convoca um Sínodo para a reforma da Igreja é o Papa Francisco. É o Sínodo sobre a Sinodalidade que se estenderá até outubro de 2023. A abertura já foi dada no dia 10 passado. O caminho foi aberto com uma chamada à ampla participação de todos os católicos, cristãos de outras igrejas, pessoas de outras religiões e também de quem não expressa nenhuma profissão religiosa. É um convite à escuta e ao discernimento para um caminhar conjunto de todos e todas. Um caminho sinodal aberto e inclusivo e esperançoso na direção de uma Igreja servidora do Evangelho.

As respostas até agora vista são variadas. Alguns aderiram com entusiasmo e já se puserem a trabalhar. Um número significativo reagiu com resignação, entrando no processo sem muito entusiasmo, mais por conveniência do que por convicção, numa mal disfarçada resistência passiva. Outros se opuseram abertamente à proposta recusando-se a participar e estimulando outros a boicotar o Sínodo numa clara atitude sectária.

O que acontecerá com a Igreja Católica Romana no decurso destes três anos de processo sinodal? Qual será o resultado final de tudo isso? Conseguirá o Papa Francisco romper com a inércia das instituições e a resistência das corporações eclesiásticas?

Nada é previsível. Tudo está em aberto. Neste cenário de incertezas, é bom lembrar que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”. Se há decisões pessoais, como as do Papa Francisco, em promover o diálogo, sobre elas pesam as circunstâncias que não são de sua escolha e com as quais são confrontadas as vontades individuais. E, no quesito de tentativas de diálogo e conciliação, a Igreja tem um pesado legado de contradições, fechamentos, agressões e rupturas.

Tendo isso presente, aos que acreditamos na proposta sinodal de Francisco, só nos cabe agir e rezar para que a tragédia do séc. XVI não se repita como farsa neste início do séc. XXI.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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