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Quaresma: a nossa caminhada para Deus

Miguel Debiasi

 

O padre, teólogo e são Clemente de Alexandria (150-215), afirmou que a fé é o princípio e o fundamento da filosofia. A filosofia é de máxima importância ao cristão desejoso em aprofundar o conteúdo da fé. A fé e a razão não são elementos contraditórios. Ambas demonstram busca humana em harmonizar-se com o ensinamento e a vida de Cristo. Na finitude do pensamento humano, a mais régia obra da fé e da razão seria a plena compreensão do mistério de Cristo. A quaresma constitui-se na oportunidade da fé e da razão de harmonizar-se com a obra de Deus que salva a humanidade. A quaresma é a nossa caminhada de fé e racional para Deus, portanto, para a salvação humana.

A Igreja, mãe e mestra, oferece aos fiéis um programa litúrgico para crescer na fé em Cristo. Esse programa é chamado de ano litúrgico. O ano litúrgico é a programação que faz Igreja do ‘tempo’ e determina seus momentos distintos e fortes para melhor celebrar e viver o mistério Pascal de Cristo. Esta programação litúrgica é um caminho espiritual, pedagógico e dinâmico que ajuda ao cristão crescer na fé e no ensinamento de Cristo. Nesse sentido, o ano litúrgico ou a programação do ‘tempo litúrgico’ não é uma ideia, mas a organização do calendário celebrativo diário que leva a inserção progressiva na vida de Cristo. E o momento central desta caminhada é o ciclo da Páscoa.

Desde os primórdios da Igreja os cristãos assumiram o tempo quaresmal destinados a uma maior preparação espiritual para celebrar e viver o grande mistério da fé, a Páscoa de Cristo. Os primeiros cristãos buscavam reviver as grandes experiências transformadoras, como do povo de Israel que passou quarenta anos no deserto a caminho da terra prometida (Deuteronômio 29,4-7). Os quarentas dias e noites que choveu inundando a terra no tempo de Noé para purificar a humanidade de todo o pecado (Gênesis 7,6-12). A valorização dos quarenta dias de Moisés na montanha (Êxodo 34,28), de Elias a caminho do monte Horeb (1Reis 19) e do próprio Jesus Cristo (Mateus 4,1-11) no deserto em oração a Deus Pai. Todas estas experiências foram preparatórias com a finalidade de assumir a missão do Senhor que chama a humanidade a percorrer o caminho da salvação. À luz destas experiências a quaresma foi introduzida no ano litúrgico, sendo o tempo da preparação e de caminhada do povo de Deus para celebrar a Páscoa de Cristo.

O tempo quaresmal inicia com a quarta-feira de cinza, no Brasil um dia após o carnaval. A cinza colocada na testa dos cristãos aponta para a fragilidade do ser humano, da sua condição de pecador, da mortalidade e da corrupção da matéria que necessita ser redimida pela graça e misericórdia de Deus. São Bento (480-547) na quaresma intensificava sua caminhada para Deus, dizendo: “a vida de quem quer estar na intimidade com Deus deveria ter sempre características de quaresma”. A quaresma nos oferece a oportunidade de intensificar nossa caminhada para Deus. Para o melhor proveito da caminhada quaresmal a Igreja propõe alguns exercícios espirituais e caritativos, como a oração, jejum e esmola ou a caridade.

A cada quaresma é preciso se perguntar: qual o valor da oração, do jejum e da esmola para um mundo consumista de nosso tempo? No entendimento de Jesus praticar a esmola ou caridade, é fazer as boas obras que tornam o homem justo diante de Deus. Quando Jesus ensinou aos discípulos o dever de orar ou rezar, também indicou à maneira de fazer a oração. Para Jesus, a oração precisa ser humilde diante de Deus e dos homens. E que ela seja de coração mais que lábios, confiante na bondade de Deus e sobretudo vinda e comprometida com o Reino de Deus. Também ensinou que o jejum não é um benefício para os olhos, mas que desperte a consciência e a ideia que devemos pedir a Deus o sustento indispensável para a vida corporal e para a nutrição da fé (Mateus 6,1-6.16-18). Com estes sábios ensinamentos de Jesus dado aos seus discípulos e seguidores, podemos dizer que para um cristão estes três exercícios espirituais e corporais da quaresma são os pilares da caminhada humana rumo a Páscoa do Senhor.

À luz da vida de Jesus, seria muito impróprio considerar a quaresma fora da sua relação com a Páscoa, como escreve o biblista Giuseppe Casarin. Ela foi instituída justamente com essa finalidade de preparação para o mistério pascal de Cristo, centro de fé e de vida dos cristãos. Esse mistério tão grande merece a melhor e a mais sincera preparação. Os quarentas dias, mais que um tempo que passa são a oportunidade para qualificar a vida cristã com uma profunda fé e serena caminhada humana para Deus. E na bondade de Deus receber sua medida, a precisa salvação humana realizada pelo mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus.                                   

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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