O discurso da fragilidade
A Bíblia é o livro da Palavra Sagrada, a eterna. A palavra de Deus é reta (Salmo 34,4). Jesus falava pela força do Espírito Santo (Lucas 4,18). O Espírito Santo na boca de Jesus dá sentido último à sua palavra, a autoridade verdadeira incontestável (Lucas 4,31-37). O Evangelho é a palavra do Senhor dirigida às pessoas e as nações (Mateus 19-20). O anúncio do Evangelho leva seus ouvintes a um discernimento que significa a garantia da maior graça para o futuro: “Se alguém guardar minha palavra jamais verá a morte” (João 8,51). O que há de evidente na revelação de Deus, na encarnação de Jesus e no anúncio do Evangelho do Reino é a força da Palavra divina, eterna e incontestável.
Nunca haverá palavra humana mais forte que palavra de Deus. A palavra de Deus é uma teologia que pode situá-la no plano mais elevado do que o simplesmente humano, o temporal. A teologia facilita a percepção e a comunicação da palavra de Deus que responde a todas circunstâncias históricas sem esgotá-la. A palavra de Deus transcende a tudo e dita na força do Espírito Santo leva interpretar a história que vivemos e decifrar sua limitação e as condições de sua relevância humana (Mateus 10,19-20). A palavra dada ou inspirada por Deus pode alcançar luzes e compreensões em meio a esse tempo de uma verdadeira bulha de vozes e discursos.
No reconhecimento da força da palavra de Deus leva-nos a perguntar: Qual é à força das palavras hoje pronunciadas? Qual a força do discurso moderno? Que inspiração tem a palavra e o discurso moderno? Iniciemos respondendo que a palavra tem um papel de comunicação entre pessoas, grupos, entre passado, presente e futuro, entre o puramente humano e o inspirado por Deus. Com isso não pretendemos oferecer respostas para toda palavra e discursos modernos proferidos, suscitar quem sabe, orientações mais acertadas sobre os discursos de nosso tempo, podendo enxergar melhor o presente e seus desafios para o futuro.
Estamos numa época histórica em que os rumos ainda não estão bem definidos. Nesse ambiente de incertezas quem grita mais alto acha estar com a razão e ser capaz de conduzir o mundo inteiro. O acesso à tecnologia faz com que a palavra alcance bilhões de pessoas simultaneamente. Um pronunciamento do presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, normalmente é transmitido na mesma hora para a população mundial. A força de sua palavra está relacionada a duas coisas: a importância do cargo de governar o país economicamente mais poderoso e a necessidade de divulgação da própria política capitalista de contrapor outras, às alternativas mundiais. Algo próximo a isto ocorre com o pronunciamento do Papa Francisco, pela importância de ocupar o trono do Apóstolo Pedro, sua palavra é veiculada para toda a humanidade.
Em nossa sociedade moderna há muitos discursos. Diferentemente da época da cristandade medieval que havia uma única palavra, um só discurso. Nesta época os judeus eram isolados em seus guetos. Os muçulmanos eram tratados como inimigos e sua religião era considerada um erro total. O resto da civilização mundial era ignorada por completo. Os cristãos tinham a palavra, viviam na unanimidade e numa afirmação indiscutida. Se houve dissidentes deveriam ficar calados ou eram rapidamente contidos ou até eliminados, escreve o teólogo belga José Comblin.
A modernidade conquistou a liberdade da palavra, do discurso. A conquista não é de um discurso, de uma palavra, mas de muitos e de muitas. Na maioria das vezes esses discursos giram ao redor três coisas: da razão, da felicidade e da liberdade. O discurso da razão postula que o indivíduo é capaz de pensar todos os preceitos sociais, morais, libertar-se dos costumes, tradições, da obediência social, dos tabus, recusar as ciências sagradas e aceitar o que se possa averiguar. A palavra da felicidade é da satisfação de todos os desejos biológicos, psicológicos, materiais, corporais, não há limites impostos. O discurso da liberdade é a disposição humana de fazer-se por si mesmo, do não viver em função do outro, da comunidade.
Mas perguntamo-nos da força deste discurso, de seu conteúdo, de seus interesses biológicos, sociológicos, econômicos, políticos. Nisso ouvimos discursos que se sobrepõem aos demais, como da burguesia, dos intelectuais e da economia. Este discurso é um enunciado de continuação e de projeção de interesses daqueles grupos que desejam perpetuar-se no poder, no mando da população. Ocorre isso na ofensiva contra os membros da corte do Supremo Tribunal Federal, na rejeição da democracia participativa, na suspensão das urnas eletrônicas, do extermínio das comunidades indígenas, da perseguição aos líderes e membros dos movimentos de gêneros, da intimidação das minorias da sociedade, dos pobres, das mulheres, dos negros e outros. Ao mesmo tempo surgem resistências e movimentos contra esse discurso enunciando a sua fragilidade. Movimentos sociais contrapõem-se a esse discurso porque nem sequer aprecia a razão, a liberdade, a felicidade, apenas a voz das ditaduras militares, culturais, sociais e religiosas.
A história nos ensina que palavra profética do Evangelho ainda que sofra com a tentativa de sufocada, nunca deixará de comunicar à verdade que liberta na sociedade como a moderna (João 8,32). Os sinais que indicam a existência da força da palavra evangélica e profética, aparecem em muitos porta-vozes de uma nova sociedade que poderá nascer lutando contra toda projeção de interesses não fundamentados nos valores coletivos, humanitários, e éticos (Lucas 7,24-30). A história ensina que todo discurso contra o bem-comum, o bem-coletivo e o ético é frágil, vira pó e se desmancha no ar.
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