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O amor cristão e a caridade humanitária

Miguel Debiasi

A assimilação da doutrina e da mensagem cristã tem seu cume no amor. A concepção do amor cristão está expressa nos mandamentos da Igreja. No percurso da história do cristianismo muitíssimos cristãos na força do amor tornaram-se os grandes modelos de vida. São modelos que entraram para a história da humanidade e que transcenderam a fé e influenciaram povos, culturas e fomentaram a caridade humanitária. O amor ou a caridade é muito significativo a humanidade e pelos tempos infinitos.

O pensamento grego criou, sobretudo com Platão, a admirável teoria dos Eros. Ao desenvolver o tema da beleza, Platão a vincula ao Eros e ao amor, entendidos como uma força mediadora entre o sensível e o suprassensível, que eleva os vários graus da beleza, à Beleza meta-empírica existente em si. A Beleza, o Belo, coincide com o Bem. O Eros é a força que eleva para o Bem. O amor não é nem Belo e nem Bem, mas a sede de beleza e de bondade. O amor não é Deus e nem homem. O amor não é mortal e nem imortal. O amor é “filó-sofo” no sentindo mais profundo, da sabedoria. A sophia, ou a sabedoria, é algo que só Deus possui. A ignorância é a propriedade daquele que está totalmente longe da sabedoria. A “filo-sofia” não é ignorância e nem sábia, mas a condição do amante que procura encontrá-la. E o amor tem seus graus, o primeiro e o mais baixo o físico, o segundo dos amantes que buscam crescer na dimensão do espírito e o terceiro do ápice, da ideia do Belo em si, do Absoluto. E o amor percorre uma escala de espírito, como dos amantes da justiça, das leis, das ciências e daqueles que buscam o mundo das Ideias. Neste processo, o amor chega ao Absoluto, o Belo em si.

Na mensagem bíblica o amor é de uma natureza bem diferente, da ágape. Isto é, o amor pela obra criada por Deus, pelos seres humanos, pela natureza e universo. O amor ágape não é propriamente subida ou elevação do ser humano, mas a descida de Deus em direção aos homens ou as pessoas. Também não é conquista do ser humano pelo intelecto, mas dom de Deus. Ademais, o amor não é algo motivado de forma objetiva no qual as pessoas se dirigem, mas, ao contrário, espontâneo e gratuito, puro dom.

Então, para os gregos, é o homem quem ama, não Deus. Já para os cristãos, é principalmente Deus que ama. Como define são João evangelista: “pois o amor é Deus” (1João 4,7). O ser humano só pode amar na dimensão do novo amor: amar como Deus amou. O amor de Deus não tem limite, porque ama os homens ao ponto do sacrifício da cruz (Filipense 2,5-11). E Deus ama os homens inclusive no limite de suas fraquezas, na condição de pecadores. Nisto há uma desproporção entre o dom e os beneficiados desse dom, portanto, na absoluta gratuidade de tal dom. É o amor que Jesus resume todos os mandamentos, toda Lei e toda mensagem do Evangelho (Mateus 22,34-40). Assim, o amor cristão é ilimitado que se expressa na atitude de amar até mesmo os inimigos para que se tornem filhos e filhas de Deus, portanto, sintam-se amados de forma incondicional (Mateus 5,43-47).

São Paulo em sua primeira carta aos Coríntios exalta o amor, ágape: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como um bronze que soa. Ainda eu que tive o dom profecia, o conhecimento de todos os mistérios da ciência, ainda que tivesse toda fé a ponto de transportar montanhas, se não tivesse caridade, eu nada seria” (1Coríntios 13,1-13). Paulo ao falar de sua vida em Cristo diz permanecer na virtude da fé, da esperança e da caridade. Ele elege a maior das três virtudes, a caridade. Ao confrontarmos a ideia de Platão e a de Paulo, podemos tirar uma conclusão: o amor ágape cristão pode viver sem o eros grego, mas o eros grego não pode viver sem o amor ágape cristão.

Na pandemia da Covid-19 os gestos de caridade dos cristãos e não-cristãos faz toda diferença. Entre os países da América do Norte, Cuba com seu setor estatal de biotecnologia e com o compromisso de seu governo com a saúde pública, foi o único país de baixa renda a ter desenvolvido suas próprias vacinas para combater a Covid, uma batizada de Soberana2 e outra Abdala. Cuba além de vacinar sua população mais que os países ricos, ter um dos menores índices de mortes e ajudado outros países de vários continentes enviando médicos qualificados, está prestes em contribuir com milhões de pessoas mundo afora com doação de vacinas. A conquista de Cuba, sendo um dos países mais pobres da América do Norte, não deixa de ser um caminho a ser seguido por outras nações do mundo. Ademais, para o enfrentamento da pandemia, a ciência aponta que as formas mais eficazes de todos os esforços não devem estar dissociadas do lucro e dos interesses dos grupos privados, mas impulsionados pelo amor ou caridade humanitária.   

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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