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Mais rápido! Mais alto! Mais forte!

Gislaine Marins

Ontem os jogos olímpicos nos deram um exemplo à altura do seu lema: “Mais rápido, mais alto, mais forte, unidos”. Dois atletas, um catariano e um italiano, protagonizaram em uma das competições mais tradicionais dos jogos, o salto em altura, o espírito de união que deve prevalecer sobre a rivalidade. Assim, ao invés de tentar mais uma vez o desempate, olharam-se e entenderam em um abraço que partilhar o ouro era a melhor solução.

Os seres humanos precisam de fatos extraordinários para alimentar a esperança cotidiana. Não basta apenas acreditar no que é possível, mas principalmente naquilo que é improvável. Superar as próprias forças, ultrapassar os limites é o que os atletas olímpicos buscam. No entanto, há algo bem maior e mais antigo à qual essa meta se relaciona: os antigos jogos olímpicos eram realizados para celebrar tréguas e para venerar os deuses. A mudança do lema olímpico introduzido este ano tem algo a ver com a guerra: “unidos” é uma alusão à batalha que o mundo está enfrentado na pandemia.

A pandemia não acabou e a trégua que os jogos olímpicos nos propõem parece mais uma intenção do que uma realidade. Contudo, o abraço está dado e nada pode desfazer o gesto. O lema está alterado e já não podemos dizer que a união não é a coroação da rapidez, da altura e da força. Há algo novo nessa postura que abre mão da glória individual e nacional para valorizar o apreço pelas qualidades que assemelham os grandes homens, a começar pela generosidade.

Encerrada, porém, a premiação, somos obrigados a voltar para a nossa realidade, constelada de frustrações em vez de medalhas, de eternos obstáculos em vez da reta final. Seguimos, repetindo quase hipinopticamente que o importante é competir apenas porque a esperança é uma força insistente na alma. A nossa vitória é não desistir, onde muitos abdicaram, é não esmorecer, onde muitos sucumbiram, é não perder a confiança, onde muitos trocaram boas ideias pelas beligerantes opiniões dos poderosos.

A mudança de lema dos jogos olímpicos é uma mensagem de trégua em uma guerra contra um inimigo invisível e contra uma ignorância explícita. Não vencemos a batalha, mas temos expectativas, temos determinação e temos planos. Temos um mundo a reconstruir, milhões de pessoas para retirar da fome e tantas outras para salvar da ignorância em relação à ciência. Economia, saúde e educação. Quando esses três pilares da sociedade são atacados, entendemos que estamos realmente em uma guerra e que os jogos olímpicos são de fato uma trégua. Que seja, então, momento de celebração, festa, e união. Que seja, então, inspiração para redobrarmos a velocidade de transformação, a altura dos nossos sonhos e a força dos nossos braços.

Eu não queria falar de tristeza, das bocas esfomeadas que querem voltar a sorrir, mas só reconhecemos o valor da alegria quando entendemos o sacrifício para conquistá-la. Eu não queria falar de ódio, mas é compreendendo a falta de empatia dos que defendem exclusividades que podemos valorizar o amor e a abnegação. Eu não queria falar de divisão, mas é apontando a arrogância que percebemos a importância da união. Que possamos, superando todos os grandes desafios que temos, também encerrar a nossa profunda crise com a reconciliação, pois não há vencedores se o povo passa fome, não há campeões se o povo morre, não há medalhistas da ignorância.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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