Desmistificar nosso pensamento
Seguidamente ouvimos sábios conselhos como: “Nem tudo que reluz é ouro”, “nem tudo que parece real é verdade”. Estas sentenças nos dizem que é preciso cautela frente a realidade e estudo crítico. Isto significa que para chegar à verdade e ao conhecimento é preciso desmistificar as ideias, a consciência, a sociedade e o mundo.
O mundo não é um laboratório da verdade. A sociedade como um todo não segue exclusivamente os princípios da verdade. O ser humano não nasce com uma consciência crítica. A palavra pode carregar consigo a verdade e a falsidade. Mundo, sociedade e ser humano são laboratórios de ideias e comportamentos, da qual decorrem prescrições que exigem questionamentos. Sem questionamentos, criam-se falsos mitos e absolutização da ignorância, isto é, alguém decreta a outros como deve-se viver neste mundo e nessa sociedade. Os falsos mitos têm o poder de mandar, dirigir e de comandar a todos.
No perigo de fortalecer falsas narrativas mitológicas nos perguntamos: Como identificar uma narrativa mitológica falsa? Ninguém gostaria de viver em absoluta ignorância, nesta condição serve aos opressores e aos dominadores. O termo mito vem do grego mythós que significa uma narrativa criativa que tem como objetivo explicar alguma coisa. O conjunto dessas narrativas sobre o mundo ou determinadas coisas são chamadas de mitologia. Atribuiu-se à Grécia Antiga a invenção da mitologia, que tinha como objetivo explicar sobre a origem do mundo e a relação do ser humano com Deus e com a natureza.
Nestas civilizações antigas, os mitos cumprem o papel de ensinar através de narrativas e de histórias repletas de simbolismos, apresentando orientações para a vida. A partir destas explicações lógicas as pessoas abandonavam a ficção tendo uma ideia mais próxima e coerente com a realidade. Com esta finalidade foram elaborados muitos mitos e até foram divididos em duas categorias: Teogonia e Cosmogonia. A Teogonia são narrativas sobre o nascimento dos deuses e de seus poderes. A Cosmogonia são narrativas sobre o nascimento do universo e dos elementos da natureza.
Com isso criaram muitos mitos como: Mito de Cronos – sobre o tempo e o nascimento de deuses; Mito de Pandora – sobre a primeira mulher, a curiosidade humana e o surgimento dos problemas no mundo, algo próximo à narrativa bíblica sobre Adão e Eva; Mito de Orfeu e Eurídice – sobre o destino e a morte; Mito de Eros e Psiquê – sobre o amor e sua união com a alma; Mito de Narciso – sobre a beleza e a vaidade.
Nesse período antigo ou anterior as ciências, os mitos e as narrativas mitológicas ensinam os princípios morais, as virtudes e orientavam a relação do ser humano com Deus, com o mundo e com a natureza. Dessa forma, buscam explicações para as perguntas e questões fundamentais do ser humano como: “de onde viemos”?; “para onde vamos”; “porque um dia chove e no outro faz sol”?
Com o avanço dos estudos e das ciências gradativamente, as narrativas míticas foram substituídas pelo pensamento lógico-filosófico científico. As explicações mitológicas da antiguidade, ainda que não tivesse muita coerência lógica, foram importantes e permitiram que a ciência fizesse questionamentos para alcançar a verdade.
Na valorização da mitologia antiga, é possuir consciência histórica. É reconhecer que os povos antigos ajudaram em muito na busca de conhecimento científico sobre o mundo e tudo que diz respeito à natureza humana. Com conhecimento pode-se transformar mentes e consciências. Considera-se que a vida humana contemporânea não dispensa um conhecimento científico e um pensamento crítico. Por esta condição estabelece-se diálogo e relações com o mundo e com a sociedade, um dever ético de reprimir toda tentativa que impede uma ação libertadora.
Com base na mitologia antiga é possível indicar que existem mitos em nosso tempo, na sua maioria maléficos para o crescimento humano. A partir dos estudos do sociólogo e pedagogo Paulo Freire que buscou profundo conhecimento e pensamento crítico do processo de educação e formação humana, pelo qual apresentamos uma lista de mitos modernos, todos eles muito opressores.
Entre os muitos destacamos o mito que todos são livres para trabalhar onde queiram, basta procurar emprego. Mas na realidade o sistema seleciona alguns e muitos sobram. O mito de que todos podem chegar a ser empresários, basta não ser preguiçoso. Se isto fosse verdade o capitalismo teria sido sepultado a muito tempo, porque não haveria quem trabalhasse para um outro vendendo a mão de obra. O mito da propriedade privada como fundamento do desenvolvimento humano. A história mostra o contrário, os maiores opressores foram aqueles que muito possuíam e que pela sua ganância tornaram-se verdadeiros tiranos da humanidade.
No conjunto da mitologia moderna não podemos esquecer-nos do mito do direito à educação, moradia, saúde, alimentação, segurança e outros. Vê-se na realidade a grande maioria da população excluída e desassistida destes direitos. O mito da igualdade enquanto se defende uma sociedade que se estrutura em diferentes classes sociais. O mito da meritocracia e do heroísmo, que se fundamenta na ideia da superioridade de alguns e da inferioridade da maioria da população.
Na lista dos mitos modernos os leitores podem acrescentar muitos outros, pois vivemos numa sociedade que exalta os vencedores à custa dos vencidos. As elites dominadoras da Velha Roma usavam de “pão e circo” para conquistar as massas, o povo. As elites dominadoras contemporâneas usam do controle do acesso à educação qualificada para assegurar sua paz econômica e política, mantendo as massas passivas, espectadoras e alienadas. Enfim, desmistificar tudo que envolve o humano é tarefa contemporânea.
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