Conhece-se pela ética e pela política
A filosofia compreende as ciências humanas a partir de suas funções específicas. Cabem as “ciências teoréticas” a elaboração e a sistematização dos saberes. As “ciências práticas” ocupam-se com a conduta dos homens e aos fins que eles querem atingir, seja como indivíduos e como sociedade política. A ética e a política fazem parte das ciências práticas. Ambas são inseparáveis como meios e apontam para os fins supremos das pessoas e da sociedade.
Comecemos pela ética com base no pensamento do filósofo grego Aristóteles. Em Aristóteles a ética indica que todas as ações humanas tendem a “fins” que são “bens”. As ações humanas e os fins particulares para quais elas tendem subordinam-se a um “fim último”, que é o “bem supremo”, que todos os homens concordam em chamar “felicidade”. Esta definição de “bem supremo”, leva a uma pergunta: o que é a felicidade? Esse assunto hoje leva a uma reflexão inesgotável. Aristóteles nos oferece algumas ideias do que seja a felicidade.
Primeira ideia de felicidade – é o prazer. Para a maioria absoluta a felicidade é o prazer – o gozo. Há certa razão nessa ideia. Mas uma vida gasta para o prazer assemelha-se à vida dos animais. O prazer pode levar o ser humano a tornar-se escravo de seus prazeres. Segunda, a felicidade está na honra, que para a maioria está relacionada ao sucesso. Mas a honra é algo extrínseco que, em grande parte, depende de quem a confere. Terceira, a felicidade está em juntar riqueza, pensa a maioria. Esta ideia é absurda. A riqueza não é um “fim em si mesma” ou “fim último – bem supremo”, apenas serve como meio para conquistar outras coisas.
A ética diz que a felicidade como “bem supremo – o fim último” consiste em aperfeiçoar-se enquanto pessoa, ou seja, naquela atividade que diferencia o ser humano de todas as coisas. A felicidade da pessoa está em viver segundo a virtude, a mais perfeita dada pela razão e pelo intelecto, que faz sentir-se um bem-aventurado ou feliz. Está claro que a ética é uma virtude prática dada pelos princípios das verdades supremas e que também são chamadas de virtudes dianoéticas: a sabedoria e a sapiência.
A ideia de política em Aristóteles está relacionada a outros “fins” para dirigir a vida humana e para deliberar o correto acerca daquilo que é bem, seja para o indivíduo e para a coletividade. A política diz respeito aos “meios” para alcançar o “fim supremo – o bem supremo”. O homem político virtuoso é aquele que “conhece o bem” e que em seu livre-arbítrio escolhe “fazer e realizar o bem”. Essa ideia está ligada ao espírito cristão, de fazer o bem em todas as circunstâncias. O homem virtuoso e livre é aquele que vive não enquanto homem, mas segundo há nele algo divino, grandeza superior a todas as outras coisas.
Para Aristóteles a política é um bem para o indivíduo que por ela realiza o bem da Cidade ou do Estado. Dessa compreensão, a política é um meio para realizar o bem do indivíduo e do Estado que é exercido por um e por todos os homens. O bem, como valor e justiça, cumpre as boas ações para êxitos felizes e nenhuma Cidade/Estado e indivíduo pode realizar-se sem a virtude do bom senso. A política considera o justo, ajuizado e sábio que visa realizar o ideal – o bem - de um cidadão e de um Estado, alcançando as coisas necessárias, úteis e as mais belas concepções da vida e das ações.
Em Aristóteles a ética e a política, ciências práticas, procedem de um pensamento e de ações que realizam o bem e todas as coisas belas, justas e sábias. O dossiê produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos, INESC, em conjunto com a Associação Indigenistas Associados, INA, afirma que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi transformada pelo governo Bolsonaro num órgão de fazendeiro, latifundiário, mineradores e das Forças Armadas Militares Federais. O dossiê do INESC e da INA denuncia que a Funai tornou-se um órgão da militarização e anti-indigenista por representantes do governo com o claro objetivo: da supressão da demarcação de territórios indígenas, do fim do marco temporal, desmatamento da Amazônia, exploração de minérios, da biodiversidade e outros.
Os procedimentos usados para atingir esse objetivo são a disseminação do medo, perseguição, intimidação e substituição dos servidores e lideranças, bem como a exoneração de técnicos, estudiosos, antropólogos, funcionários e profissionais especializados da Funai para atendimento dos povos indígenas. Essa política de extermínio das comunidades indígenas, perseguições às lideranças, desmonte da estrutura da Funai e outros malfeitos relacionados ao desmatamento da Amazônia não são surpresa para ninguém, pois prometeu o ex-capitão: “Se eu for eleito, vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho”.
A morte do indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Funai, e do jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, retrata que a ética e política, aquela de pensar e de fazer o bem que propõe Aristóteles ainda não entrou pela porta do Planalto da Alvorada. Os sábios gregos conheciam melhor um povo e uma civilização pela prática da ética e da política justa, aquela do “bem supremo”. Para nosso tempo, o controverso também é verdadeiro, pela falta de ética e política como “bem supremo” se conhece os propósitos de um governo e de suas políticas públicas.
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