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As estruturas elementares da vida

Miguel Debiasi

Estar no mundo é estar sob estruturas. Do nascimento à morte a pessoa necessita das estruturas. Nem as pessoas que buscam viver retiradas da comunidade vivem sem estruturas. A história, a civilização e o avanço científico só acontecem por mediação das estruturas. Hoje, necessitados de relações de toda natureza mais que outrora, será preciso perguntar-se: como operar as estruturas elementares da vida?

Um grupo de renomados filósofos do século XX constituíram a partir da ciência da filosofia o movimento do estruturalismo. O estruturalismo busca identificar as estruturas que sustentam todas as coisas. Para estes filósofos a estrutura está presente em todas as ciências: como naturais, matemáticas, históricas, sociais, linguísticas e outras. Como exemplo, falamos de estruturas lógicas e de estruturas linguísticas. Temos em física a estrutura nuclear do átomo e, em astrofísica, discorremos sobre à estrutura do universo. Em matemática, fala-se de estruturas de pertença, de estruturas algébricas, de estruturas espaciais e topológicas.

Quando falamos em pessoas nos reportamos a uma estrutura. O corpo humano é uma estrutura. O corpo está relacionado às estruturas sociais que são evidenciadas pelos sociólogos. Está relacionado às estruturas econômicas apontadas pelos economistas. Parte da humanidade está interligada às estruturas religiosas como são descritas pelos cientistas da religião. A medicina estuda a hereditariedade, que é a estrutura do sistema biológico de transmissão de certas características dos seres vivos entre gerações.

Jean William Fritz Piaget (1896-1980), biólogo, psicólogo e influente pensador suíço do século XX, estudando as estruturas moleculares e as estruturas químicas diz que a estrutura é um sistema de transformações que se auto-regulam. A estrutura é um conjunto de leis que definem e instituem em âmbitos de objetos ou de entes matemáticos, psicológicos, jurídicos, físicos, econômicos, químicos, biológicos, sociais e outros estabelecendo relações entre eles e especificando seus comportamentos e/ou as maneiras típicas de se desenvolverem. Para Piaget toda ciência tem essa estrutura.

O antropólogo e filósofo francês, Claude Lévi-Strauss (1908-2009), considerado o fundador da antropologia estruturalista do século XX, após um estudo rigoroso de um fenômeno linguístico, diz que as ciências sociais podem formular análise das estruturas elementares do conhecimento. Como os fonemas, eles só adquirem tal significado na condição de integrarem em sistema, uma estrutura. Os sistemas fonológicos, são elaborados pelo intelecto. Toda ação humana está relacionada a uma estrutura e que configura a vida social, familiar e outras das pessoas, que também são produtos mentais e intelectuais.

Michel Foucault (1926-1984), filósofo, historiador e crítico literário francês que dedicou muitos estudos sobre “as estruturas epistêmicas” e “práticas discursivas”, diz: “o homem é uma centelha, um fugaz luzeiro no oceano das possibilidades por aquelas correntes profundas que as estruturas”. A história humana é governada por estrutura, como as epistêmicas, permeando e qualificando os mais diversos campos do saber e da cultura. O problema das estruturas epistêmicas é subsistir às transformações, aos avanços culturais.  

Jacques Lacan (1901-1981), psicanalista francês, após um longo estudo do inconsciente como lugar da palavra, escreve: o objetivo da análise é o de ensinar ao sujeito a verdade que lhe escapa e que o imobiliza na repetição. Somente reconhecendo a verdade do discurso inconsciente que o sujeito é restituído à plenitude da dimensão histórica de sua existência. Para Lacan, se o psicanalista conduz o sujeito para algum lugar é para uma decifração que pressupõe uma lógica que já está no inconsciente.

As ideias dos filósofos estruturalistas cabem na afirmação de Foucault: “antes do fim do século XVIII, o homem não existia, pelo menos não diversamente da força vital, da fecundidade do trabalho, da dimensão histórica da linguagem. Ele é uma criatura recentíssima, saída das mãos de demiurgos do saber há menos de duzentos anos”. Obviamente que as ideias estruturalistas foram contestadas. A filosofia e o conhecimento científico buscam compreender o ser humano com auxílio de muitas ciências. O ser humano não é o senhor absoluto de sua própria história, existem estruturas que independem da vontade humana, como do parentesco, a social e outras.

A provocação filosófica estruturalista não passou incólume pela arena do pensamento contemporâneo, tendo sofrido grandes questionamentos. Uma coisa é buscar estruturas fundamentais para o pensamento científico, ainda que elas não sejam absolutas. Outra, as estruturas de conhecimento científico não podem ser confundidas com as estruturas elementares da vida.

Na vida o ser humano precisa como primeira estrutura a do amor e da família. A estrutura cultural oferecida por uma boa educação e por qualificadas instituições de ensino é fundamental para o desenvolvimento humano. A estrutura comunitária pela qual a pessoa se integra com a coletividade como sujeito pensante e como um protagonista da história. O acesso à estrutura dos serviços públicos da melhor qualidade possível só tende a ajudar aos cidadãos. O mundo urbano assinala a importância de uma estrutura de saneamento básico em todas as vilas, bairros, cidades. Urge diante de tantas epidemias uma estrutura da saúde pública e um sistema de pronto atendimento qualificado e dos recursos preventivos à saúde.

As estruturas da família, da comunidade, da rede de serviços públicos são elementares para a vida de quaisquer pessoas. O malogro dessas estruturas afeta a vida de todas as pessoas. Na percepção que somos dependentes dessas estruturas e de suas consequências, permite uma tomada de consciência que elas precisam ser valorizadas e qualificadas para o melhor desenvolvimento do ser humano. Família, comunidade e cidadania não se desenvolvem de forma autônoma, mas a partir de uma imprescindível estrutura pública de qualificadas políticas públicas e que desencadeia transformações sociais que leve a melhor qualidade de vida humana. Essa é uma esperança da humanidade inteira.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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