Arte de governar a Igreja
As decisões de um governo têm relação direta com toda a população do país. Delas dependem todas as coisas da nação, como os preços dos produtos, a qualidade de vida das pessoas, dos serviços públicos e de tudo que envolve a cidadania da população. As decisões e as propostas do Papa Francisco dizem respeito a Igreja universal. Em dez anos de pontificado, Francisco tem-se mostrado surpreendente em suas decisões e propostas.
As decisões políticas, religiosas, econômicas, ambientais e outras impactam diretamente na vida pessoal e coletiva, não é conveniente para ninguém ser completamente ignorante em matéria, como da política, religião, economia e outras. Para avançar o diálogo sobre estes assuntos é necessário recorrer aos estudos históricos, pois todas as atividades, como de ofício de governar é tão antiga quanto à própria humanidade, a civilização.
Antes de referirmos a arte de governar a Igreja, recorremos ao campo da política, pela qual, todos somos obrigados a um certo conhecimento para acompanhar as decisões do governo. A palavra política deriva do grego politikós, termo que se refere a vida de cidade, em grego a pólis. Na Grécia Antiga, por volta dos séculos VIII ao VI a. C., surgiram as pólis, ou as cidades com seu território agropastoril em seus arredores, que formavam uma unidade administrava autônoma e independente. Estas ficaram conhecidas como cidade-Estado, semelhante a um país de nosso tempo.
Atenas e Esparta são as cidades-Estados mais famosas da Grécia Antiga. A política referia-se a tudo que é urbano, civil, público, que está estreitamente ligada ao ofício de governar a cidade, Estado e país. O filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970) define a política como o conjunto dos meios que permitem alcançar os resultados desejados. No caso da cidade é preciso desenvolver uma política de governar, um saber para tomar decisões em prol do bem coletivo.
O filósofo e historiador francês Michel Foucault (1926-1984) diz que a governabilidade é um fenômeno mais importante e decisivo da história das civilizações. Nenhuma civilização, nenhuma sociedade teve tamanha governabilidade como o cristianismo e a Igreja. A expansão do cristianismo e da Igreja aconteceu pela arte de governar os homens.
Arte de saber governar os homens pode ser a origem, o ponto de partida da cristianização da humanidade. O ponto embrionário dessa governabilidade é efetivamente uma prática refletida e reconstruída constantemente. A reflexão sobre a pastoral cristã parece ser o pano de fundo desse processo que levou à expansão do cristianismo, da Igreja e da evolução da humanidade e da sociedade, diz Foucault.
Na história da Igreja, os Santos Padres são exemplos da sábia arte de governar os seres humanos. Entre tantos destacam-se alguns dos principais Padres da Igreja Grega que são: Santo Atanásio de Alexandria (296-373), São Basílio Magno (330-379), São Gregório Nazianzeno (329-390) e São Crisóstomo (349-407). Os quatros Padres mais importantes da Igreja latina são: Santo Agostinho de Hipona (354-430), São Gregório Magno (540-604), Santo Ambrósio de Milão (340-397) e São Jerônimo de Estridão (347-420). Estes por meio de intensa vida pastoral, aplicada no interior da Igreja e nas comunidades apresentaram um pastorado na experiência de Jesus Cristo, o bom pastor (João 10,1-18).
A arte de governar a Igreja pelo pastorado está relacionada a três coisas para Foucault. A primeira, o pastorado está relacionado com a salvação, que tem como objetivo essencial, fundamental, conduzir os indivíduos ou permitirem que avancem e progridam no caminho da salvação. Segunda coisa, o pastorado está relacionado a lei, aquela que precisamente os indivíduos e comunidades possuem para alcançar a salvação. A lei é o mandamento, a vontade e a ordem de Deus. Terceiro, o pastorado está relacionado com a verdade. Todos podem alcançar a salvação mediante crer e professar a fé em Cristo que é a suprema verdade.
Com essas três coisas o cristianismo e a Igreja se diferenciam da arte de governar a cidade, Estado ou país. Esses três elementos fundamentais e próprios do cristianismo – salvação, lei e verdade - mostra de sua originalidade na arte de governar os homens. Se o líder da Igreja segue as funções de um magistrado ou governo de uma cidade não seria absoluto em seu ofício de governar os seres humanos. A arte de governar os homens baseia-se não somente num plano temporal, mas o transcendental.
São João Crisóstomo (347-407) dizia sobre o papel do pastor da Igreja: “deve se preocupar com toda cidade e até mesmo com o orbis terrarum – com o mundo”. São Gregório Magno (540-604) escreve em seu livro Pastoral: “que o pastor tenha compaixão de cada ovelha em particular”. Na regra de São Bento de Núrsia (480-547), no capítulo 27 mostra a extrema solicitude que cada monge deve cultivar: “com toda sua sagacidade e seu engenho, ele deve correr para não perder nenhuma ovelha que são confiadas”. Para estes santos a Igreja precisa ser governada para salvação de todos.
Os dez anos de pontificado de Francisco foram marcados por decisões e propostas corajosas que buscaram renovar a ação da Igreja e resgatar seu rosto original, da simplicidade e da pobreza. Entre as muitas decisões e iniciativas de seu pontificado destacamos algumas que ajudam a perceber como Francisco governa a Igreja: acolhida de jovens, mulheres, dos migrantes na Ilha de Lampedusa, dos povos indígenas, a comunidade LGBTQIA+, na composição do colégio cardinalício, em reforma das instituições vaticanas e principalmente, da centralidade do Evangelho – Evangelii Gaudium, sua primeira encíclica profética, indicando uma Igreja em Saída.
Com o coração no Evangelho Francisco propôs através das encíclicas: uma Ecologia Integral – cuidado da casa comum – Laudato Si’; uma economia da solidariedade contrapondo o sistema capitalista que cria uma cultura da indiferença; beijando os pés de líderes do Sudão do Sul, propõe um novo diálogo inter-religioso e ecumênico; age em favor de uma fraternidade e a amizade social da – Fratelli Tutti; propõe um chamado à santidade no mundo com a gaudete et exsultate; uma valorização do amor na família com a – Amoris laetitia; a prática da misericórdia – Misericordiae Vultus; a valorização da vocação dos jovens e povo de Deus – Christus Vivit.
O Papa Francisco governa a Igreja povo de Deus de forma sinodal – do caminhar todos juntos em comunhão, participação e missão. Suas decisões são para todos e sinal profético de renovação da Igreja e da humanidade.
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