Sínodo sobre a Sinodalide ou Trento II?
Em recente postagem numa rede social escrevi que “em plena Segunda Sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, me sinto às vésperas do Concílio de Trento”. A postagem gerou diferentes reações. Uns corroborando minha afirmação e trazendo situações em que eles/as têm o mesmo sentimento. Outros, perguntando o porquê de minha afirmação.
Aos primeiros, digo que compreendo e me solidarizo com seus sentimentos em relação às situações eclesiais em que lhes cabe viver. Aos segundos, devo uma explicação. E ela é simples, se a encaramos do ponto de vista histórico e eclesiológico. O fato é que o Concílio de Trento (ou Sínodo de Trento, pois naquela época não se fazia distinção na nomenclatura), foi o primeiro da história da Igreja em que a participação foi restrita a clérigos. Todos os concílios/sínodos anteriores tiveram a presença de leigos. Homens e da nobreza, sim, mas leigos. E isso não mais aconteceu nos três concílios a partir de Trento, ou seja, o próprio tridentino, o Vaticano I e o Vaticano II.
Agora, no Sínodo sobre Sinodalidade, temos a participação de leigos e também de leigas de todas as classes sociais. Participação essa que não é tranquila para os que se sentem desclassificados em seu tradicional privilégio. Mesmo que não o verbalizem, muitos, até dos que estão em Roma nestes dias, devem estar pensando: “Como que agora ‘qualquer um’ pode participar do Sínodo?” A pergunta é: nos próximos sínodos e concílios, continuaremos a ter a participação de leigos e leigas ou, num imaginário Trento II, só poderão participação clérigos homens da nobreza hierárquica eclesial?
Essa primeira questão, trazida para os âmbitos continentais, nacionais, regionais, diocesanos, paroquiais, reverbera de forma muito mais crua e, em alguns casos, até violenta em muitas comunidades, paróquias, dioceses e conferências episcopais.
Mas o Concílio de Trento, depois de três décadas de crise institucional, teve que decidir sobre outra coisa muito importante: se a Igreja Católica e Apostólica continuaria a ser uma igreja plural ou ela seria uniformemente romana. A segunda opção foi a que prevaleceu no tridentino. Uniformidade organizacional, bíblica, teológica, litúrgica, canônica, ministerial, catequética, sacramental, moral. O Papa Francisco na Amoris Leititia, afirmou “reiterar que nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais” (AL, 3), quer uma Igreja plural, diversa, poliédrica. Uma Igreja “que seja um lugar para todos, todos, todos”, como afirmou diante do milhão de jovens reunidos em Lisboa para a JMJ.
É para essa Igreja verdadeiramente católica que o Papa convocou o Concílio. Mas o que vemos no dia a dia de nossas paróquias, dioceses e movimentos é muitas vezes o contrário: uma uniformização sufocante onde chega-se ao extremo de obrigar a todos/as a receber a comunhão numa forma que é, simbolicamente, tudo o contrário do proposto pelo Papa Francisco e que chega ao exagero de controlar as roupas com que as mulheres vão à Igreja. Não é exagero! Presenciei e muitos dos pacienciosos leitores devem ter presenciado cenas semelhantes. Sem falar nas outras uniformizações em padrões que excelsam um passado que só existe no imaginário de seus teatrais executores que não se dão conta de sua atuação momesca.
Temo que os resultados do Sínodo, mesmo que caminhem na direção de uma diversidade eclesial que possibilite a vivência da fé cristã nas diferentes culturas e realidades, dificilmente sejam aceitos por muitos ministros das diversas instâncias eclesiais que se acreditam guardiões de uma tradição morta que, em si mesma, não é tradição, mas tradicionalismo.
Para não delongar, só mais um tópico. Para tirar a Igreja da crise de credibilidade gerada pela simonia e nicolaísmo (para não delongar o texto sugiro que consultem o Google!), o tridentino, através do decreto Cum Adulescentia Aetatis decidiu pela criação de seminários. Ingressados antes de serem contagiados pelos males do mundo, os meninos seriam transformados e sábios e obedientes regidores dos fieis da Igreja. O modelo deu certo e, durante quatrocentos anos, tivemos legiões de padres que serviram digna e fielmente à Igreja mantendo-se completamente apartados dos problemas do mundo.
Esse lado positivo da decisão de Trento, teve como contrapartida negativa a reclusão da Boa Nova de Cristo ao âmbito da sacristia. Apartados do mundo, os Ministros de Deus deixaram que o mundo se apartasse da Igreja e de Deus. No pré e no imediato pós-Vaticano II tivemos vários ensaios de novas formas de formação e vida dos presbíteros. “Padres operários” e a inserção das casas de formação de presbíteros e religiosos/as são exemplos desse movimento que foi abafado pela “volta à grande disciplina” (como dizia o saudoso J. B. Libânio) nos papados de João Paulo e Bento XVI.
O Sínodo para a Amazônia tentou retomar a temática dos ministérios na Igreja. Não foi possível. Agora a questão é retomada pelo Sínodo sob dois aspectos: ordenação de homens casados, ordenação de mulheres e formação do clero.
Não sabemos o que o Sínodo encaminhará. Só depois do final é que se saberá. Mas o que todos experimentamos é que o clericalismo está campeando cada vez mais nos mais diferentes espaços eclesiais e, apesar de todos os esforços do Papa Francisco, os abusos de poder, de consciência e, em certos casos, abusos sexuais, parecem tornarem-se mais fortes na medida em que o poder absolutizado e sacralizado de alguns sobre o Povo de Deus é questionado.
Por essas e outras razões, tenho minhas dúvidas: o Sínodo sobre a Sinodalidade não corre o risco de ser transformado em um Trento II? Não esqueçamos que, antes do Concílio de Trento, tivemos os Concílios de Lyon (1245 e 1274), Viena (1311-1312), Constança (1414-1418), Basileia-Ferrara-Florença-Roma (1512-1517 e Latrão V (1512-1517) que tentaram reformar a Igreja e não conseguiram. E aí veio o Concílio de Trento que enterrou de vez as teses conciliaristas que invocavam a descentralização e a pluralidade na Igreja. Um Concílio ou um Sínodo que não alcança seus objetivos pode dar voz e força aos que a ele se opunham. Por isso o meu medo eclesiológico que só é contido pela fé e pela esperança.
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