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Pátria a(r)mada

Miguel Debiasi

 

A vida humana precisa de uma estrutura moral para se desenvolver em seu estado natural e social. Um povo é reconhecido e respeitado por seus valores morais, éticos e tradições. Uma nação torna-se grande em sua capacidade de respeitar os valores universais. Um governo é mundialmente respeitado pelas políticas públicas condizentes ao desenvolvimento humano e a democracia. Nessas condições, vê-se se uma pátria realiza sua ascensão moral e social. E, nessa tarefa reside a virtude da política e dos governos. 

Para o filósofo Sócrates era necessário compreender a essência do homem que é a sua alma (psyché) para que se estabeleça a estrutura moral. É para Sócrates o “cuidado com alma” a grande missão moral do homem. Esse cuidado, significa “purificação da alma”, isto no sentido moral. Para Platão a sabedoria representa libertação das cadeias do sensível, caminho de “con-versão” ou da iniciação ao Bem supremo. A “con-versão” é um processo moral para Platão, que acontece pelo conhecimento, sabedoria. Para estes filósofos a “purificação” e a “con-versão” se realiza na medida que a alma, ultrapassa os sentidos, conquista o mundo inteligível e espiritual. O mundo inteligível e espiritual é algo co-natural no homem. Assim, conhecendo o homem se “purifica” e se “converte”, condição de desenvolvimento moral e de sua elevação social.    

Considerando que o homem possui uma aquisição co-natural para elevação moral, com isso ele pensa argumentos sólidos em benefício de viver uma vida mais verdadeira, voltada para o cuidado com alma sem a “fuga do mundo”. Pois, não haverá “fuga do mundo”, quando a alma busca uma vida autêntica, como Bem supremo. Na ideia de “purificação” de Sócrates e de “con-versão” de Platão, o filósofo alemão Werner Jaeger, propõe uma ascensão progressiva com base nos conceitos da moral cristã. Jaeger compreende que a moral cristã tem argumentos sólidos e trabalha para elevação do homem, da humanidade e da pessoa toda. E nisso reside a verdadeira virtude da “purificação” e da “con-versão”, adquirindo justiça, sabedoria e santidade.

Eis a razão pela qual todo o homem deve buscar a elevação moral, contrapondo-se a todo mal para que o bem possa habitar e residir nesta terra, como princípio ontológico e sociológico. E, é precisamente sobre este valor que consiste a atividade pública e trabalho cristão. Essa condição nos leva a refletir sobre nossa realidade, se há nela um processo de elevação moral. Para tanto, podemos aceitar a concepção de Jaeger, que quem tem muito a contribuir com elevação moral são os cristãos, por serem chamados a tornarem-se semelhantes a Deus, o qual se confirma todas as leis e normas de todas as coisas. A medida de semelhar-se a Deus é tornar-se ao máximo um homem virtuoso, de viver e optar pelos valores éticos a superar vícios, males e situação que passa um correr para a morte.

No Brasil, em 2020 houve um aumento de quase 180 mil novas armas de fogo que foram registradas na Polícia Federal (PF), um recorde provocado pelas medidas do governo Jair Bolsonaro que facilitou o processo de importação desses itens bélicos. Em 2021, dados do Ministério da Economia mostram que os brasileiros importaram US$ 29,3 milhões em revólveres e pistolas, recorde histórico. Conforme dados do mercado de importação, este não é um fenômeno novo, é um crescimento ininterrupto desde 2017. No ano de 2020 o volume importado foi de 2.656% maior que a média da série histórica iniciada em 1997. Em contrapartida, historicamente, o Brasil era considerado um mercado modesto em armas de fogo.

Atualmente, segundo dados do Comex Stat, do banco de comércio exterior do Ministério da Economia, o Brasil importa mais armas de fogo que bicicletas ou lápis. No Brasil os paradoxos são gritantes. Seguramente, para um autêntico cristão não é ético trocar o lápis, a bicicleta, os estudos, por armas de fogo. É precisamente essa troca um paradoxo daquele que fala de Deus, que defende a família, que prega a moral da ditadura. Nesse paradoxo identifica-se o que mais se atentou e matizou pelos tons da “nova política”, um governo que retirou recursos dos setores da educação, saúde, da ciência, do meio ambiente, da energia, ..., e investiu em armas de fogo. Esse paradoxo torna-se mais preciso e gritante naquele que se diz “cristão”, e que claramente deseja afirmar-se com armas e não com lápis, justiça, santidade, sabedoria. Aos olhos do mundo a tarefa do representante da “nova política” é constituir objetivamente: a Pátria armada.     

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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