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Os caminhos diferentes e difíceis

Miguel Debiasi

A modernidade passa a ideia que cada pessoa segue seu destino. O acesso a tantas condições materiais leva a acreditar que é fácil viver, quase que conduzidos por um piloto automático. Ainda que desfrutando de tantas conquistas, a realidade é difícil para milhões de pessoas. Em muitas situações sociais a vida não permite largas escolhas e seres humanos são colocados em situação de risco de vida e seus caminhos são extremamente limitados.

A palavra ‘caminho’ tem um amplo significado. Em termos etimológicos ‘caminho’ vem do latim vulgar camminus, que significa via, que passa a ideia de deslocar-se, andar. No sentido figurado, ‘caminho’ significa uma faixa de terreno ou local de passagem que serve de ligação ou comunicação terrestre entre dois ou mais lugares, via de passagem.

No sentido bíblico ‘caminho’, ora está relacionado a via, estrada (Gênesis 16,7; Números 14,25; Marcos 10,32). Em outras ocasiões o termo ‘caminho’ significa os simples hábitos da vida, como “endireitai os vossos caminhos”, “todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra” (Gênesis 6,12; 19,31; Jeremias 32,19). Na perspectiva bíblica não se aceita o que se é, o que se faz, o lugar onde se está. Caminho é marcha. É abrir novos horizontes.

Na Escritura Sagrada ‘caminho’ envolve sempre a ideia de seguir e viver na vontade de Deus. É um peregrinar na busca da justiça, do amar ao próximo como meio de praticar os ensinamentos divinos. Em razão dessas exigências o caminho da fé é estreito e difícil, sendo o único para alcançar a vida digna e plena de comunhão com Deus (Mateus 7,13-14).

Na cultura hebraica a vida é um grande caminho. A vida é caminhar, um sair de si mesmo, da parentela, da terra, rumo à melhor terra, aquela da experiência real do Reino dos céus prometidos por Deus: “sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai para a terra que mostrarei” (Gênesis 12,1). Abraão é um homem disposto a caminhar obediente no caminho do Senhor, não tem receio de deixar sua terra, sua pátria e transforma sua vida.

Para Abraão que é incapaz de contar as estrelas (Gênesis 15,5), mas cujos olhos enxergam o Invisível, esta terra e este mundo se transformam em terra e em mundo de exílio e ele se considera: “peregrino e estrangeiro nesta terra” (Hebreus 11,13). Aquele que caminha no Senhor procura sempre uma nova terra: “ele aspira, com efeito, a uma pátria celestial” (Hebreus 11,16). Ele é um caminheiro, com forte vontade de entrar na daquela cidade, “cujo arquiteto e construtor é o próprio Deus” (Hebreus 11,10).

Elias o grande profeta de Israel estava sempre a caminho, às ordens de Javé ou Senhor: “Vai-te daqui, retira-te para o oriente e esconde-te na torrente de Carit (...). Elias partiu e fez como Javé ordenara” (1Reis 17,3-5). Mais tarde, Javé ordena: “Levanta-te e vai a Sarepta (...). Ele se levantou e foi para Sarepta” (1Reis 17,9-10). Depois de um tempo Javé fala de novo: “Vai apresentar-te diante de Acab (...). Elias partiu e foi apresentar-se diante de Acab” (1Reis 18,1-2). Elias é um itinerante conduzido por Javé, em sua caminhada só quer fazer a vontade de Deus.

O mundo moderno pensou em seu próprio caminho, o traçado pelos projetos humanos. O mercado segue o caminho da economia liberal. A política caminha dividida entre aqueles que colocam a vida humana como prioritária e outros a economia, os negócios e o capital. Na religião cristã elevado número de líderes usa da comunidade dos fiéis para fazerem o caminho do poder, do dinheiro, do enriquecimento e do trampolim para cargos públicos. Para estes a profecia do precursor João Batista “preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas” (Marcos 1,3), não toca sua consciência e não há conversão, mudança de caminho.

A vida moderna está mergulhada num mundo das vozes que ditam caminhos fáceis para alguns e para outros, cheios de sofrimento. Há um vozeiro que vem de cima, da classe poderosa, que nos cerca diariamente e que leva ao caminho da morte. Existem vozes da autoreferencialiade que contaminam nossa caminhada pelo egoísmo. Tem vozes adulteradas pela ganância e deturpadas moralmente que promovem a gritante desigualdade social. A modernidade faz seu caminho onde poucos o usufruem de forma digna. Há milhões de seres humanos em estado de encruzilhadas, onde seus caminhos são tortuosos pela fome, miséria, desemprego, guerra e abandono social.

O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (1929), escreve que a modernidade parte da ideia de que os indivíduos pertencem à sociedade como os membros de uma coletividade, parte de um todo. O pensador argumenta que pela comunicação pode-se aproximar diferentes grupos sociais e pela produção do conhecimento comum pode orientar e normalizar uma sociedade justa para todos seus membros. A realidade exige que a ideia de Habermas não têm tido grande influência cultural e social.

Pelo ensinamento cristão, a vida humana consiste em descentralizar-se de si de forma consciente e ética, pondo Jesus no centro, o caminho que leva a verdade e a vida (João 14,6). Em nosso tempo, entrar no caminho de Jesus leva ao encontro do outro, é caminhar em favor do próximo, trilhar os dias ao lado mais necessitados prestando-lhe solidariedade e compaixão.

Como peregrinos deste mundo restamos a viver a fé cristã como experiência libertadora e torcer para que as tantas conquistas da modernidade que são benéficas favoreçam um caminho de vida mais coletivo, fraterno, digno. Quando a desigualdade social e a diferença econômica entre classes e países, poluição e destruição do meio ambiente, conflitos de mercados, guerras diminuírem é sinal que nos aproximamos do caminho certo.

Se a vida é um caminhar, que façamos o caminho de Deus, pois, este é bem mais seguro e todos podem percorrê-lo. E, ainda, no final da caminhada a recompensa é incomparável (Salmo 18,30-35), porque alcançou a maior altura, chegou à morada eterna (João 14,1-6). Certos que a caminhada da vida foi justificada, válida para os homens e para obra de Deus.

 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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