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O pronunciamento do Natal do Senhor

Miguel Debiasi

Presépios, cores, enfeites, canções e liturgias anunciam que o Natal está em nossa porta. Pela simbologia exposta na cidade, comunica que uma pequena distância nos separa do Natal. A avalanche comercial de compra comunica que estamos a distância do Natal. Em nosso contexto há um grande perigo de reduzirmos o sentido do aniversariante, d’Ele, do Menino Deus. Qual o Natal que Deus hoje deseja celebrar com a humanidade? O Natal da humanidade será o de Deus?

O Natal do Senhor manifesta que Deus ama toda sua obra e não quer perder nada do que foi criado. A noite do dia 24 de dezembro é disparada a noite celebrada com concorridas liturgias solenes e com confraternizações familiares. A celebração do dia 25 de dezembro dá início a um novo tempo para humanidade, tanto religioso quanto mundial, entra-se em uma nova era, a denominada cristã. Com o Natal, a história e o tempo passam a ser narrados entre o antes e o depois de Jesus Cristo.

A narrativa natalina do Senhor não é uma oposição entre o antes e o depois, mas um coroamento do passado e uma abertura da história para o novo tempo na perspectiva real da salvação da humanidade. É nesse sentido, que a liturgia do tempo de Natal apresenta Jesus Cristo como a luz que ilumina o mundo, que eleva e santifica toda a obra criada em sua plenitude, como reconhece o sábio ancião Simeão: “agora, Soberano Senhor, meus olhos viram tua salvação, luz para iluminar as nações” (Lucas 2,29-32).

Os profetas da Antiga Aliança anunciaram esse acontecimento redentor, o qual, todos estavam à espera de “um menino, um filho dado, lhe foi dado o nome de Conselheiro-maravilhoso, Deus forte, Príncipe da Paz” (Isaías 9,5). Os profetas anunciavam que o menino que iria nascer “apascentaria o rebanho, o povo, pela sabedoria de Deus até os confins da terra” (Miquéias 5,3). O maior dos profetas refere-se a Cristo dizendo: “aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia da sandália, vos batizará com o fogo do Espírito de Deus” (João 1,27).

Os textos bíblicos descrevem que o novo tempo se inicia com o Menino, com o Nascido na gruta de Belém, sendo o grande acontecimento para glória da humanidade. O coro dos anjos convida os pastores a dirigirem-se à estrebaria de animais para verem o Senhor (Lucas 2,15-17). Da estrebaria de animais anunciassem a boa-notícia, do Deus encarnado que conduzirá a história da humanidade pelo dom do amor. Quem fez a experiência do encontro com o próprio Senhor dá testemunho: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3,16). O Natal é o novo tempo da história, agora sendo conduzido pelo amor de Deus pelo ser humano.

Esse novo tempo da história tem um novo Caminho, uma nova Verdade e nova Vida (João 14,6). O Natal do Senhor vai muito além do nascimento de uma vida humana, mas de um nascimento que tem força que muda o rumo da história. A mulher anônima no meio da multidão reconhece esse novo tempo para toda humanidade e exclama cheia de alegria: “Feliz as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram” (Lucas 11,27).

O evangelista descreve o nascimento do Senhor como a Luz dos homens e que brilha nas trevas e estas não conseguiram apagá-la (João 1,4-5). Essa digníssima Luz tem poder de “tornar todos filhos de Deus, não pela carne, mas segundo o acreditar, a fé” (João 1,12). O nascimento do Senhor é o evento da solidariedade, humildade e pobreza: “Deus se fez por nós homens e para a nossa salvação, pobre para nos enriquecer com sua pobreza” (2Coríntios 8,9).

O Natal é o nascimento do “Príncipe da paz” (Isaías 9,5), da “paz na terra aos homens que Deus ama” (Lucas 2,14). O Natal do Senhor celebra a vida, a paz, a felicidade e a salvação da humanidade que passa pela simplicidade, pobreza, humildade, solidariedade, amor oblativo e confiança em Deus que no seu amor envolve todas pessoas de bom coração e de boa vontade.

Se o sentido do Natal está esvaziado e substituído por práticas comerciais, minimizado por mensagens e práticas religiosas superficiais e por litúrgicas pomposas, será preciso voltar o olhar para a pobre gruta de Belém e para simplicidade da manjedoura, símbolo que Deus escolheu para identificar-se com os mais pobres e desprezados. Ao dirigir olhar para a gruta e a manjedoura de Belém ouviremos o real pronunciamento do Natal do Senhor, que não é memória, mas fato que convida a participar ativamente da escolha de Deus.

Em tempo de preferências humanas e sociais seletivas, intolerâncias, guerras alimentadas por governantes de Estado sedentos de poder, domínio e de reinar como soberanos absolutos é oportuno celebrar o Natal do Senhor. Compreenda-se, celebrá-lo no mais original possível, para ouvirmos seu pronunciamento em defesa da paz, do amor preferencial aos últimos da sociedade, das relações mais justas entre os povos, pessoas, países.

O Papa Pio XII (1939-1958), eleito poucas semanas após o início da Segunda Guerra Mundial e da invasão da Polônia pelos nazistas fez o seguinte pronunciamento de Natal: “Nada se perde com a paz; tudo se perder com a guerra. Pelo Sangue de Cristo escutem-nos os fortes, para que não se tornem fracos pelas injustiças”. Com sua radical fidelidade ao pronunciamento do Natal do Senhor, o Papa ajudou a salvar mais de 15 mil judeus dos nazistas que estabeleceram seis campos de concentração em território polonês. 

Parece-nos muito oportuno ouvir novamente o real pronunciamento do Natal do Senhor, que é mensagem que pode transformar a sociedade e converter pessoas. Que é fato que faz parte do cotidiano que busca um novo nascimento. O Natal do Senhor vai muito além de uma comemoração litúrgica e de confraternização familiar anual. O Natal do Senhor precisa ser celebrado todo ano como evento libertador, transformador, salvador da humanidade.

Enquanto o amor não for amado, enquanto a vida humana não for o valor inviolável para todos, o Natal do Senhor não terá alcançado sua plenitude.   

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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