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O dinheiro tem suas presas

Miguel Debiasi

 

Se há algo que deixa o ser humano aparentemente angustiado é não ter uma boa reserva de dinheiro em sua conta bancária. O dinheiro é um recurso que pode tornar as pessoas mais felizes. Segundo a pesquisa da universidade de Harvard e de Cornell, o poder de gastar dinheiro com outras pessoas gera mais felicidade do que quando usado para si próprio. Será mesmo que somos altruístas, a ponto de usarmos o dinheiro para o bem de outros?

O “dinheiro é poder”, havia afirmado o matemático e filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), autor das célebres obras Leviatã e Do cidadão. Uma concepção de poder em nossa cultura é alcançar a situação social onde tudo posso. O poder proporcionado pelo dinheiro leva temporariamente uma pessoa a assumir uma condição de mando e de controle de outros.

Até existem poderes mais fortes que uma boa reserva cambial. A pessoa de Jesus Cristo e sua mensagem tem poderio que transcendem milênios e que continuará com sua fortaleza inabalável. Pessoas conquistaram poder em transformar as mentes e os corações, como: São Francisco de Assis (1182-1226), pela sua vida de completa pobreza; Mahatma Gandhi (1869-1944), pelo movimento dos direitos civis dos povos; Mandela e milhões de pessoas que a história não esquecerá jamais pelas suas lutas humanitárias.

Os mais ricos do mundo inevitavelmente sofrem as causas do dinheiro. Alguns se comportam como mariposas voando em volta da luz, criando um espaço social de orgulho e vaidade. Segundo pesquisa da Datafolha, a pandemia da covid-19 criou temores em muitas pessoas por não poderem usar o dinheiro em viagens, entretenimento e consumo. Em nossas cabeças o dinheiro revigora esperança e acende novos desejos.

O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. 322 a.C.), com sua obra Ética a Nicômaco nos a ajuda entender a origem do dinheiro e sua necessidade. Aristóteles demonstra a origem do dinheiro a partir das necessidades humanas, da divisão social do trabalho e onde o dinheiro é definido como meio e instrumento de troca. As trocas têm origem na circunstância de que o homem, individualmente, é incapaz de satisfazer todas as suas necessidades sem o auxílio de trabalho de outros homens.

A carência natural obriga todos os homens a viverem em comunidade a produzir em vista das necessidades de todos. O alfaiate produz roupas e vestuário em vista da utilidade social. O carpinteiro constrói casa em vista da utilidade de seu trabalho para a comunidade. A necessidade, carência e utilidade, seria por isso, a causa original das trocas e da vida humana em comunidade. Aristóteles acreditava que a vida humana numa comunidade social seria impossível sem o dinheiro. Em razão disto, pensou num sistema econômico justo, havendo troca de equivalentes entre os diferentes produtores baseados em suas diferentes necessidades de consumo.

Na análise de Aristóteles o dinheiro atuando como meio termo entre os extremos da troca, atua como equalizador das diferenças e árbitro imparcial dos negócios. Neste sistema o injusto é aquele que viola a lei, ao mesmo tempo, toma para si mais do que lhe é devido. Ou seja, o injusto é aquele que falta com a igualdade. De modo contrário, o homem justo será sempre aquele que observa a lei e que, ao mesmo tempo, a respeita.

 

Uma sociedade, como uma cidade, formada por homens plenamente livres seria organizada pelos princípios da igualdade e equidade entre os bens e agentes do mercado. Nessa utopia, qualquer sociedade ou cidade seria perfeitamente justa, na medida em que se usa o dinheiro como meio de troca.

 

À medida em que as trocas se expandem para além fronteira da pólis ou do Estado, chegando até as trocas internacionais, cruzando os oceanos, surge, naturalmente, a necessidade do dinheiro convencional de troca. A partir do surgimento do comércio temos duas formas de existência da riqueza. De um lado, temos a riqueza em sua forma verdadeira, produtiva e de acordo com a natureza, e de outro, temos a riqueza em sua forma antinatural e improdutiva, pertencente ao comércio e não a sua natureza. Nesse tipo de riqueza, para o qual o dinheiro é o fim da transação, não haverá limite para quantidade a ser acumulado. Dessa forma, os homens engajados na admiração da cidade em vista da satisfação das necessidades humanas, eles se dedicam a arte do comércio a aumentar a pilha de dinheiro ilimitada.

 

O líder da Frente Evangélica do Congresso (FPE), Sila Câmara, tem seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE – AM), “por captação de recursos ilícitos” e “abuso de poder econômico”, em campanha de reeleição em 2022. A irregularidade teria ocorrido na contração de aeronaves ou voos entre cidades do Amazonas, seu território eleitoral, e do Acre, estado de sua esposa, deputada federal Antônia Lúcia Câmara (Republicanos - AC).

 

Obviamente, em nosso tempo ninguém acreditaria ser possível o sistema econômico de Aristóteles, a ponto de idealizar o uso do dinheiro em função da necessidade social. Se fosse viável a proposta de Aristóteles não seria possível a corrupção eleitoral e até o sistema econômico liberal não teria avançado com seu poderio de concentração de capital.

 

Concluo com uma frase atribuída ao Papa Bento XVI: “Napoleão disse uma vez que aniquilaria a Igreja”. Um cardeal teria respondido: “Mas como? Nem mesmo nós fomos capazes de fazê-lo”. Seja qual for o tamanho do poder do dinheiro em cada pessoa, parece-nos que ele hipnotiza prudentes e imprudentes.

 

Livres de seu poder de hipnotizção, usaríamos ele para o bem do outro, superaríamos o maleficio do acúmulo de capital. Enfim, acreditemos na pesquisa da universidade de Harvard e de Cornell, o dinheiro ocupado com bem-estar dos outros traz felicidades para aquele que usa deste jeito. Se isto evoluir teremos uma civilização de solidários e altruístas, o Reino de Deus em vida e na história.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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