O atalho dá trabalho
Quem de nós já não fez a experiência de, num dia em que tem pressa para chegar a um lugar, ao invés de tomar o caminho costumeiro, tentar um atalho para chegar mais rapidamente ao destino? E, quem também não fez a experiência de, ao tomar o atalho, ter que andar o dobro e gastar muito mais tempo do que se tivesse tido paciência para seguir na rota que, mesmo sendo longa, leva com certeza ao destino? É! A sabedoria popular tem razão: o atalho dá trabalho!
Mas, convenhamos: o atalho é uma tentação. E não só nas ruas e estradas. Em muitas situações da vida. Quem já não sonhou em ganhar na loteria? Ou encontrar um pote de ouro enterrado no pátio? Ou receber uma herança de um tio-avô do qual nunca tinha ouvido falar? Ou resolver a miséria do país com um plano econômico mirabolante?
Para muitos, as mazelas sociais e a disputa política só serão resolvidas por uma ditadura. O caminho da democracia é lento, exige empenho, dedicação, resiliência, informação. O atalho da ditadura é tentador. Parece resolver a curto prazo. Mas suas consequências, como todos sabemos, são duradouras e difíceis de superar.
No que se refere à religião, o atalho também é uma tentação. Percorrer o caminho que leva a Deus é exigente. Configurar a vida pessoal, familiar, comunitária e social segundo o amor daquele que nos amou, exige abandonar o ódio, o rancor, a vingança, o egoísmo e voltar suas preocupações para a dor de quem caminha ao nosso lado. É difícil. É demorado. É suado.
E aí os atalhos aparecem tentadores. São muitos. Alguns antigos, outros renovados. No passado, tivemos o atalho das indulgências. Bastava pagar um tanto e o céu estava garantido. Mais recente, o atalho das promessas: se este ou aquele santo me der o que eu preciso, em troca, dou tanto ou faço tal coisa. E o atalho de levantar as mãos e aceitar Jesus sem o compromisso de mudar de vida. Mais moderno é o atalho do boleto. Prático, simples, tecnológico: basta imprimir o boleto no site desta ou daquela devoção, pagar no banco, e está tudo resolvidocom Deus.
O Papa Francisco nos lembra: a verdadeira santidade nunca busca o atalho. Ela trilha o caminho do cotidiano. É a santidade do pai e da mãe que cria seus filhos em meio às dificuldades, dos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, dos doentes que enfrentam a dor com coragem e serenidade, dos idosos e idosas que, do alto da sabedoria acumulada, continuam a sorrir para a vida que se vai. A santidade, segundo o Papa Francisco, não está apenas sobre os altares. Ela é nossa vizinha. E por isso, talvez, tenhamos tanta dificuldade em enxergá-la.
As soluções estão ao nosso lado, na partilha e nacooperação econômica, no diálogo e na busca conjunta de soluções, na comunidade de fé que nos ajuda a sustentar os momentos difíceis. É preciso voltar a trilhar os caminhos ordinários. Buscar atalhos, só atrapalha, só dá trabalho.
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