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Na esperança de libertação

Miguel Debiasi

A conquista da liberdade é característica da época moderna. Contudo, em contexto atual, liberdade não é sinônimo de libertação humana. A libertação transcende a liberdade subjetiva. Na experiência de fé cristã a libertação humana é sinal de realização da obra de Deus. O despertar da consciência é pressuposto imprescindível da libertação humana.

            A fé cristã pressupõe uma atuação na história, na vida da comunidade. Inserir-se na história e na comunidade é condição de afirmação ou de negação da fé em Cristo. Por sua vez, a história em seus contextos apresenta-se com sua ideologia. Todo percurso da civilização humana é conduzida por ideologias. Atualmente a ideologia da economia globalizada é a predominante. Sua profunda crise mundial não significa sua morte, visto sua capacidade de recriar-se com estruturas objetivas e subjetivas. A veia pela qual pulsa sua capacidade de recuperação é a do acesso aos benefícios da tecnologia e do consumo. O consumo unifica o mundo numa única sociedade, até mesmos os extremos, ricos e pobres. Na verdade, a presença dos contraditórios - opulentos e miseráveis - a poucos horroriza a consciência. Por conseguinte, a ideologia da economia proporciona esquecimento do sofrimento de quem está à margem da sociedade.

Então, a ideologia do sistema constitui verdadeiros cativeiros humanos. Sinal evidente do seu poder é que com tecnologia e consumo cria mecanismos de autoperpetuação da necessidade de bens materiais. Em razão disto, não há desesperança nas pessoas, todos acreditam que podem consumir e sonhar em apropriar-se de alguma coisa a mais. Por esse caminho, vê-se que a ideologia da economia triunfa mesmo em tempo de crescimento da pobreza, poluição, violência, exploração. Na percepção de Santo Agostinho (354-430) o mundo do homem é para o amor a si mesmo. Com tal subversão de valores, a ideologia dos senhores mantém seus escravos sob firme comando, o do consumo. Ao legitimar-se a aceitação da situação senhor e escravo, a história passa a ser o esvaziamento do sentido da existência humana.

            Para o teólogo Rubem Alves (1933-2014) a esperança da libertação humana deriva do caráter conflitivo com a história, pelo qual é possível abrir-se novos caminhos. A libertação humana é possível na corporificação da verdade e da justiça, que são realidades destinadas à eternidade. Somente a consciência de oprimido é capaz de romper a ideologia dominante e dar lugar à afirmação do homem capaz de protestar contra a dominação e escravidão. Com efeito, a libertação humana e social do povo de Israel nasceu da consciência da condição de negação da vida, a escravidão. Quanto a isto, o mais eloquente ensinamento vem do próprio Jesus de Nazaré, que é muito cético diante da ideologia dos poderosos: “é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19,24). Logo, sem a consciência da ideologia opressora, em contexto contemporâneo é difícil ter a esperança de libertação humana, a não ser pela mão de Deus.

 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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