Nas mudanças da vida, ela, como filha mais velha, era a depositária da continuidade da família, dos resgates, das frustrações, do cuidar de todos quando crescesse... Sim, isso foi sendo constantemente alimentado nela, que seguiu assim sem entender direito. A vida teve suas curvas e num dia qualquer resolveu assumir verdadeira e conscientemente aquele lugar há muito tempo colocado.

Quando criança, num grande recomeço da família, o pai lhe deu o relógio como responsabilidade para carregar. Ela agarrada nele de uma tal maneira não o deixava escorregar pelos pequenos dedos... Quando fecho os olhos além do grande relógio em seus braços vejo o chinelo e os pés cheios de pó a seguir o caminho. De vez em quando, o passo se atrapalhava pelo peso carregado, se desequilibrava, mas assumia firme novamente e seguia aquela longa estrada com pedras soltas pelo chão. A mesma estrada que hoje passamos e que nos mostra outra paisagem, com girassóis na beira do caminho, nos revela agora cores, nuances, do que enxergamos parcialmente outrora.

A menina queria chegar na nova casa, no novo lugar com o que tinha sido depositária para levar. E chegou...

Não lembro bem de muita coisa... Eu era muito pequena, mas a lembrança da minha irmã, miúda frágil, ou não tão frágil assim, pois ela carregou o relógio, permanece em mim. O relógio continua sendo carregado por ela, afinal, ela juntou a família e vai trabalhar em prol de cada um dessa família até seu último instante de vida, pois hoje eu a conheço muito bem...