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Hospitalidade com o cidadão do mundo

Miguel Debiasi

Em mundo cada vez mais globalizado em que se derrubam as fronteiras territorial, cultural, étnica e racial, a pergunta pela nacionalidade perde o sentido. Por outro lado, o processo de globalização provoca rupturas sociais e hostilidade entre as pessoas. Diante disto, ganha sentido a atitude de hospitalidade. Para um cristão a acolhida é gesto intrínseco no testemunho de fé em Cristo.

O conceito de hospitalidade é amplo. A obra do historiador americano radicado na Inglaterra Moses I. Finley (1912-1986), publicada em 1954 e intitulada O mundo de Ulisses, é considerada uma referência em conceito de hospitalidade. Segundo ao autor, o surgimento e o significado da hospitalidade nascem nos tempos primitivos, quando os homens viviam em estado de luta permanente de guerra contra o estrangeiro. Diante deste confronto houve a intervenção dos deuses que impuseram o preceito e dever da hospitalidade. Dessa forma, os homens deveriam seguir o novo ideal moral da hospitalidade. Este novo preceito moral era abençoado pelo deus Zeus Xenios, considerado protetor do hóspede e do hospedeiro. Nisto, pela prática da hospitalidade chegava-se ao apaziguamento entre os homens.

Contudo, em era de globalização ampliam-se estudos sobre hospitalidade. Entre eles, em 1990 Margaret Visser (1940-) tratava o tema da hospitalidade como uma obrigação mútua e de reciprocidade entre o anfitrião e o hóspede. Isabel Baptista, em 2002, define a hospitalidade como atitude de encontro interpessoal marcada pelo gesto de mútuo acolhimento do outro. O filósofo Jaques Derrida (1930-2004) em 2003 define a hospitalidade como condição de relacionamento com o outro. O teólogo Leonardo Boff (1938-) em 2005 apresenta a ideia de hospitalidade como uma disposição aberta e irrestrita da alma. Ou, enquanto amor incondicional, ânimo que acolhe a todos e não discrimina ninguém. Boff também compreende a hospitalidade como sendo uma atitude e ao mesmo tempo uma utopia, sendo a utopia entendida como um anseio da humanidade por amor.

A ideia de Boff está em consonância com a narrativa do Antigo Testamento, no qual a hospitalidade na cultura hebraica era uma atitude envolta em honra. Acolher, alimentar e atender um hóspede era um direito do viajante, peregrino, estrangeiro, convidado. A hospitalidade do povo hebreu refutava a xenofobia presente na maioria dos povos e culturas. Muitos textos bíblicos descrevem essa atitude. O livro do Levítico oferece as instruções de como devia ser exercida a hospitalidade: “se um estrangeiro habita convosco na vossa terra, não o molestareis. O estrangeiro que habita convosco será para vós como um patriota, e tu o amarás como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito” (Lv 19,33-34). O livro de Jó narra: "O estrangeiro não pernoitava na rua, pois as minhas portas sempre estiveram abertas ao viajante" (Jó 31,32).

Ademais, na cultura hebraica nos deveres para com o hóspede estavam incluídos: dar-lhe descanso, lavar-lhe os pés, dar-lhe alimento farto (Gn 18,4-7); tratá-lo como um servo trata seu senhor (Gn 18,8) e, por fim, proteger-lhe a vida a qualquer custo (Jz 19, 15-24). Já no Novo Testamento a hospitalidade é manifestada pelo mandamento do amor: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda tua alma, com toda tua força e de todo o teu entendimento, e a teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10,27). Para o apóstolo Pedro era fundamental receber o outro, pois o vinculava à prática do amor a Cristo: “Acima de tudo cultivai, com todo o ardor mútuo, porque o amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4,8). E acrescenta as formas básicas do amor cristão: “Sede hospitaleiros uns para com os outros, sem murmurar” (1Pd 4,9). Então, para os primeiros cristãos, a hospitalidade trata-se de um comportamento fundamental para pertencimento à comunidade e manifestação de amor a Cristo.

Mas, em sociedade contemporânea, a globalização da economia não é um processo harmônico. Constata-se hostilidade, violência, e exclusão que acontecem entre fronteiras de Estados gerando perseguição de pessoas e povos. Dessa forma, a globalização gera relações de hostilidade e de rivalidade em decorrência de competição por limitados postos de trabalho. Num mundo globalizado, com profundas desigualdades sociais, é preciso voltar o olhar às primeiras comunidades cristãs que se tornaram, por quatro séculos, modelos de acolhida do outro. Embora exista um esforço internacional por entendimento entre as nações, quando praticado pelo gesto da hospitalidade o amor cristão transforma o outro e o estrangeiro em amigo e irmão.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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