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Homo Frugalis

Vanildo Luiz Zugno

As enchentes que assolam o Rio Grande do Sul têm muitas causas. A causa imediata é a falta de atenção e prevenção de parte de autoridades municipais e estaduais que deixaram de investir nos sistemas de proteção porque tinham “outras agendas”, como bem disse o Governador do Estado. Em outras palavras, a segurança e o bem estar da população não interessam aos atuais governantes. O alerta havia sido dado pelas cheias de setembro de 2023. E nada foi feito, mesmo sabendo que havia muito a se fazer.

Estruturalmente, a causa é o modo predatório como nos relacionamos com a natureza. Vivemos numa cultura predatória em que a criação é vista apenas como recurso a ser utilizado a fim de obter lucros. Os ecossistemas originais são destruídos para plantar commodities que geram altos lucros para poucos enquanto muitos ainda padecem fome. Sai a mata e entra o soja e o gado. Fontes são secadas, banhados drenados, encostas transformadas em pasto, rios assoreados, várzeas ocupadas por cidades onde um terço das unidades habitacionais tem como única finalidade a especulação imobiliária.

A chuva, mesmo se em quantidades excepcionais, não é a única causa das enchentes. Nós, humanos, criamos as condições para que a água nos destrua quando não respeitamos seus pontos de contenção e canais de escoamento. Poderíamos conviver com chuvas muito mais torrenciais se não interferíssemos no ciclo natural das águas.

Não basta reconstruir. Fazer de novo o que já tinha sido feito e agora destruído pela natureza será repetir o mesmo erro. É preciso construir um novo modelo de produção e distribuição dos bens. Uma nova economia “que se preocupa com a criação e não a saqueia, uma economia a serviço da pessoa, da família e da vida, respeitosa de toda mulher, homem, criança, idoso e especialmente dos mais frágeis e vulneráveis, uma economia onde o cuidado substitui o descarte e a indiferença”, como disse o Papa Francisco aos jovens em Assis, em 24 de setembro de 2022.

Mas há uma causa mais profunda que sustenta a economia. É a causa antropológica. O modo como nós humanos nos pensamos a nós mesmos. Somos convencidos que a razão de ser é consumir. Valemos pela capacidade de comprar, desfrutar e descartar irresponsavelmente. Fomos convencidos ou nos convencemos – quem veio antes, o ovo ou a galinha? - de que somos consumidores e que chegamos ao auge da humanidade quando alcançamos a categoria de predadores.

Já nos pensamos como homo sapiens. Mas estamos muito mais perto do demens. Demência que nos leva à morte. Pessoal, comunitária, social, humanitária. E mais: podemos levar toda a vida sobre a Casa Comum à morte.

É hora de mudar. Precisamos recuperar a sabedoria dos povos originários e sentirmo-nos como uma criatura em meio ao conjunto da criação. Deixar de lado a ânsia de consumir e reaprender a conviver entre os humanos e com este complexo vital do qual fazemos parte. Recuperar a sabedoria da frugalidade que consiste em consumir apenas o necessário. Fazer dela a orientação para as opções pessoais, familiares e sociais. Uma economia do decrescimento em que a riqueza de uma nação não se meça pelo Produto Interno Bruto, mas pela felicidade gerada por relações harmoniosas entre as pessoas e dos humanos com os animais, as plantas e o ambiente onde vivem. Menos poiética e mais ética e estética alimentadas pela mística do Bem Viver.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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