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“Desvio de função”, verdade?

Miguel Debiasi

Estamos vivendo o ano de mais um pleito eleitoral, onde os brasileiros com mais de dezesseis anos de idade, em outubro, irão ajudar a eleger os novos representantes para os poderes públicos municipais: prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Num sistema democrático, pressupõe-se que a eleição possa vir a ser uma oportunidade de contribuir para a evolução da consciência política dos munícipes.

Em toda eleição o eleitor observa, pesquisa e opta por representantes para ocuparem os cargos do poder público e os que se propõem a isso defendem suas ideias e propostas de políticas públicas mais justas. Essas são ações e programas desenvolvidos pelo município, Estado e país para garantir e colocar em prática os direitos da população que são previstos na Constituição Federal e pelas demais leis dos Estados e dos municípios. Os governos possuem a responsabilidade de garantir o bem-estar-comum da população através da execução de verdadeiras ações governamentais.

As políticas públicas são frutos de um planejamento e de uma criação de trabalho em conjunto dos três Poderes que formam o município, o estado e o país: Legislativo, Executivo e Judiciário. Tanto o poder legislativo quanto o executivo podem propor políticas públicas. O legislativo cria as leis referentes a uma determinada política pública e o executivo é o responsável direto pelo planejamento da ação e pela aplicação da medida. Ao judiciário cabe o controle da lei criada e confirmada, se ela é adequada para cumprir o objetivo da política pública.

Cabe dizer que as políticas públicas afetam a todos os cidadãos de todas as escolaridades, independente de sexo, etnia, religião ou classe social. Num sistema democrático, as responsabilidades do representante popular, conforme a Constituição Federal, é de promover o bem-estar-comum da população. Esse está relacionado às ações da política pública bem desenvolvida.

Enquanto vivermos em uma sociedade democrática, precisaremos da política e dos representantes do povo. Segundo o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. 322 a.C.), a política é a ciência que tem a finalidade e a ação de promover a felicidade humana.  A felicidade humana divide-se em ética – que se preocupa com a felicidade individual da pessoa, da Cidade-Estado, e na política – propriamente dita, que se preocupa com a felicidade coletiva. Para Aristóteles, a política situa-se no âmbito das ciências práticas, ou seja, as ciências que buscam conhecimento como meio para ação, para a execução.

Em sua obra A Política, Aristóteles escreve: “Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras, tem mais que todas, este objetivo visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política”.

Aristóteles definiu a política e tudo o que se relaciona à busca de ações para o bem-estar tanto individual como coletivo, de toda a comunidade. No Brasil, quando falamos em políticas públicas, já pensamos nos representantes do povo e no papel do poder legislativo que é organizado na modalidade bicameral, ou seja, constituído por duas câmaras: a dos Deputados e a do Senado Federal. Juntas, as duas câmaras compõem o Congresso Nacional e têm funções específicas, discriminadas na Constituição Federal. A principal delas é a elaboração, o debate e a aprovação de leis.

O Senado Federal é composto por 81 senadores: três para cada um dos 26 Estados e para o Distrito Federal e o mandato é de oito anos. Compete privativamente ao Senado Federal, pelo Artigo 52 da Constituição Federal e Emendas Constitucionais nº 19/1998, 23/1999, nº 42/2003 e nº 45/2004: processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República, os ministros de Estado, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República e o advogado-geral da União nos crimes de responsabilidade;

Aprovar, previamente, a indicação do presidente da República de magistrados, ministros do Tribunal de Contas da União, governador de território, presidente e diretores do Banco Central, procurador-geral da República, chefe de missão diplomática e titulares de outros cargos que a lei determinar;

Autorizar operações externas de natureza financeira de interesse dos entes federados; suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, conforme previsto pelo Artigo 52 da Constituição Federal e Emendas Constitucionais nº 19/1998 e nº 23/1999.

O senador pelo Rio Grande do Sul, Hamilton Mourão (Republicanos), sendo interrogado na sexta-feira, 24 de maio, pela sua ausência com o Estado, afirmou que ficar se deslocando de “ponto A para ponto B” para atuar como no apoio às vítimas das enchentes do Estado seria “desvio de função”. Novamente interrogado sobre a sua ausência desde o começo da calamidade no Estado, o senador disse que é “um homem de 70 anos”.

Para entender a postura do senador é preciso saber sobre o sentido de “desvio de função”. Em termos gerais, o “desvio de função” ocorre quando o servidor passa a exercer atribuições diferentes daquelas que correspondem ao cargo para o qual ele foi nomeado e empossado. Ou seja, é o exercício de atividades ou serviços estranhos à competência de um cargo, assim caracteriza “desvio de função”.

Penso que a afirmação de Hamilton Mourão tenha deixado estarrecidos todos os seus eleitores, os quais o elegeram senador para representar um Estado, do qual, ele e sua carreira política têm pouca afinidade. Imagina-se que seus eleitores, de elevada consciência política, ao mínimo tenham discordado veemente do senador, porque, segundo a Constituição Federal uma das responsabilidades é justamente: “Autorizar operações externas de natureza financeira de interesse dos entes federados”. Isto é, cuidar dos bens públicos, materiais, históricos, culturais, sociais e humanos dos 26 Estados da nação. As enchentes destruíram e afetaram todos os bens do Estados do Rio Grande do Sul, o ente federado da nação.

Enquanto Hamilton Mourão justificava a sua ausência indefensável, políticos como senadores e deputados federais, magistrados do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas da União e muitas outras personalidades públicas, destes muitos com mais de 70 anos, vieram várias vezes ajudar a população do Estado do Rio Grande do Sul. Infelizmente, foram eleitas pessoas para representar o Estado, que em sua maior tragédia histórica, nem sequer se deram ao trabalho de estenderem a mão para o povo.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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