Todos merecem respeito
Casos de racismo e de intolerância religiosa no Brasil e no mundo estão em ascensão. Racismo e intolerância religiosa são crimes que precisam ser combatidos por todos os povos, grupos sociais, instituições públicas e comunidades religiosas. A humanidade do século XXI precisa aprender a conviver no respeito ao outro, que pensa e que tem pele e credo diferente. Esta aprendizagem parece-nos ser um diferencial que aguarda o terceiro milênio.
No dia 21 de janeiro é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil. A data foi escolhida em homenagem à mãe de santo Gildásia dos Santos e Santos, Mãe Gilda de Ogum, vítima da intolerância religiosa em 1999. O fato ocorreu após publicação de sua foto em um jornal da Igreja Universal do Reino de Deus com o título – Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes. A ação de vilipendiar publicamente ou ultrajar por meio de palavras, gestos e atos um ato ou objeto de culto religioso, é crime previsto no Artigo 208 do Código Penal Brasileiro. No ano de 2020 aumentou em 67,7% as denúncias de intolerância religiosa. A maior parte das vítimas são de religiões de matrizes africanas.
Com o crescimento de denúncias, a intolerância religiosa entrou em pauta e ganha cada vez mais relevância nas discussões da sociedade brasileira e mundial. Congresso Nacional, Igrejas, Instituições de Ensino e Grupos Sociais tem fomentado reflexões sobre essa problemática brasileira. Em 2016, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abraçou a discussão da questão e propôs como tema de redação: Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil.
A reflexão que eleve a consciência e leve ações para combater essa problemática sociorreligiosa inicia se perguntando: o que é intolerância religiosa? Qual a sua origem? Por que ela está aumentando? Quais são as estratégias do Estado laico para combater tal crime? Perguntas que todo cidadão consciente precisa responder para ajudar no processo de construção de uma humanidade mais civilizada e mais harmonizada entre diferentes.
Como primeira resposta a intolerância religiosa é uma prática discriminatória. É uma violência contra os adeptos de religiões, cultos e crenças. Para a ciência da religião, essa discriminação e violência no Brasil ocorrem de forma mais latente contra os adeptos de religiões de matrizes africanas. As religiões mais atacadas são a umbanda e o candomblé, com terreiros sendo pichados, em muitos casos, incendiados e destruídos em várias regiões do País.
Esta discriminação e violência não é um fenômeno sociorreligioso de nosso tempo, mas vem de longos tempos. Historicamente, a religião também foi usada como ferramenta de controle da população e o exercício do poder político. Por diversos momentos históricos e por longos séculos, Estado e Igreja Católica estiveram ligados com o objeto de perpetuação do domínio sociocultural e político. Nesse contexto sociocultural e político, religiões foram perseguidas, como demonstra o período da Inquisição, dos séculos XII a XVIII.
No período escravatura brasileiro, a conversão de negros e indígenas ao cristianismo, também visava estabelecer o cristianismo e a Igreja Católica como a religião oficial e ao mesmo tempo, impedia as manifestações originais desses povos e etnias. Os cultos e rituais não cristãos foram associados ao demônio e suas práticas foram tratadas como crime no Código Penal de 1890. Nesse contexto histórico, o Estado e a Igreja recorrem à força policial para coibir as reuniões e celebrações do culto contrários à religião católica.
A intolerância religiosa é uma discriminação e violência que atravessa séculos. Um dos grandes impulsos da intolerância religiosa aconteceu ainda no IV século, quando em 380 d.C. o Imperador Romano Teodósio, católico, decretou a imposição do cristianismo como religião oficial por meio do Édito de Tessalônica. O suporte político do Império Romano fortaleceu a ascensão do cristianismo no continente Europeu em oposição a religião islã ou islamismo, ao judaísmo e outras. Já no século XIX, no próprio seio da Igreja Católica surgem muitos questionamentos acerca da moral, dos dogmas e da prática de fé.
Os questionamentos ajudam consolidar a ideia da liberdade e da tolerância religiosa, rejeitar aliança entre Estado e Igreja Católica, abrir caminhos para outras religiões cristãs e não-cristãos, os teólogos e bispos revisitar os conteúdos da fé e fortalecer o espírito de unidade entre todos à luz de Cristo e do Evangelho. Se no processo de colonização das Américas a Igreja católica foi favorecida pela estrutura, política e pelos componentes ideológicos do Estado, agora, em tempo de liberdade e tolerância religiosa é preciso afastar-se dos sistemas que desprezam as minorias e as diferenças étnicas e culturais. É preciso olhar para outras religiões, cultos e crenças não mais como inferiores, não-religião, bruxaria, demonologia e heresia.
Assim, admite-se que o processo histórico da colonização cristã que usou de componentes políticos e religiosos ideológicos trouxe consigo a intolerância religiosa e a discriminação racial. Parece-nos bastante óbvio a relação entre intolerância religiosa e racismo. Há na expansão do cristianismo ocidental europeu implantado na América Latina uma estrutura racista e de rejeição de etnias, de crenças não-cristãs e que ainda hoje estão presentes em muitas experiências, linguagem, espaços eclesiásticos e sagrados.
A Constituição Federal de 1988 assegurou a laicidade do Estado brasileiro. Isto significa que o Estado não pode ser regido pela doutrina de nenhuma religião e que os seus cidadãos têm direito de professarem sua fé. Em 1997 foi promulgada a Lei nº 9.459 a discriminação de raça, cor, religião é crime. Convenhamos que apesar de tantas conquistas da sociedade moderna, como da tolerância e liberdade religiosa, a tempo defendidas por muitos filósofos como John Locke e Voltaire, ainda é uma experiência principiante.
Para contrapor a ascensão do racismo e da intolerância religiosa no país e no mundo, será preciso introduzir no processo de educação social, política, cultural e religiosa uma reflexão sobre a diversidade de crenças, de etnias, de pensamento e de práticas de fé como um bem comum. Será preciso elevar o conhecimento sociocultural e a consciência sociopolítica que uma sociabilidade autoritária traz consigo intolerância religiosa, racismo e estrutura de poder político misturado com a fé que defende interesses de grupos sociais, historicamente beneficiados pelo Estado e pelo sistema.
Enfim, dar um passo adiante em direção a uma sociedade e humanidade em que todos tenham garantido o direito ao respeito é papel de todos nós. A primeira testemunha deste bem comum a ser assegurado é o cristão livre desses preconceitos que acredita no Evangelho.
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