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Tempo, tempo, muito tempo

Gislaine Marins

Certos momentos exigem a hipérbole dos nossos dedos. Cada instante parece não caber em si, cada dia parece uma explosão, e o ano parece cada vez mais insustentável. Eu entendo a gravidade gravíssima, mas.

Mas: todo exagero requer a sua dose de menos, menos. Exige contenção, compostura, coragem, paciência contra o relógio que nos apressa. Afinal, correr para onde, se daqui a poucos dias tudo acaba? A gente vai recomeçar. Voltar para a primeira casa, como quem joga ludo.

Então, a pressa insana. Não bastassem as guerras, os terremotos, as enchentes, as secas, as tragédias públicas: as pessoas são pressionadas a fazer mais e ao mesmo tempo, como se o mundo ruindo às costas de cada um fosse mero detalhe na busca dos objetivos e da eficiência profissional.

Declaro solenemente que abdico da glória de ser eficiente sob pressão. Serve a pouco, especialmente à minha saúde física e mental. Será uma rebelião? Talvez, mas eu respondo ao tempo, não ao relógio. E o tempo passa independentemente dos ponteiros.

Já viram essas pessoas que fazem três coisas contemporaneamente? Eu acredito que uma era a coisa que ela precisava fazer, a outra é a coisa que obrigaram a fazer e a terceira é uma coisa que condicionaram a fazer.

Refleti bastante sobre o fenômeno das pessoas que dirigem com o celular na mão. Respondem, mandam mensagens, controlam o percurso e prestam contas daquilo que estão fazendo. Sim, controlam e são controladas.

Fico com muita raiva quando vejo que elas estão provocando um acidente. Esta semana mesmo vi um carro atingindo uma moto porque o motorista acelerou o veículo enquanto respondia a uma mensagem. Mas.

Mas parei e pensei: ele deve estar escrevendo algo muito importante. Tão importante que vale o risco de atropelar alguém. Ele deve estar prestando contas ao chefe, que quer saber se a entrega que está fazendo será cumprida nos prazos, nem um segundo a mais. Ele deve estar resolvendo um problema pessoal gravíssimo, desses que destroem a vida de uma pessoa, mas não aparece nos jornais. Porque a vida de um entregador é minúscula e os seus dramas pessoais não interessam ao público. Ou ele deve estar respondendo por efeito condicionado, acostumado que foi a ter de responder a tudo, inclusive a bobagens, que poderiam ser proteladas para o infinito.

Foi mesmo um ano repleto de acontecimentos gravíssimos. E talvez o mais grave é aquilo que não sabemos e aquilo que nos passa despercebido. Um instante no celular que causa um impacto, às vezes irremediável. Um instante de atraso, que causa uma reclamação. Um instante de silêncio, que causa ansiedade em quem padece por não manter tudo sob controle.

O final mais melancólico de qualquer ano e de qualquer história é aquele que já está programado nos seus mínimos detalhes. E dá certo. Nenhuma surpresa, nenhuma expectativa, tudo completamente pontual e controlado. É gravíssimo.

Certos momentos exigem a hipérbole dos nossos dedos. E uma boa dose de ironia. Para além disso, é sempre válido seguir as antigas receitas dos nossos avós, que caem bem nas festas e em qualquer outro período do ano: nunca esquecer de apreciar a paisagem, cantar mesmo que seja embaixo do chuveiro, rir com os amigos, esquecer as mágoas.

Os passarinhos já anunciaram o inverno na minha janela e dizem todos os dias a que hora devo considerar o amanhecer. Atualmente, neste ponto do hemisfério norte, a revoada começa às sete e trinta e seis da manhã. Vamos com calma. Temos bastante tempo para levantar cedo quando a primavera aquecer os dias e a nossa vontade de respirar novos ares.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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