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O profetismo que falta a Igreja

Miguel Debiasi

No percurso da história da salvação o Povo de Israel que caminha rumo à posse da Terra Prometida e dela fazer sua libertação, Deus falou pela palavra dos profetas. Desde o chamado dos patriarcas, matriarca do povo de Israel que se pôs a caminho do deserto, e posteriormente, os cristãos perseguidos em Jerusalém iniciam a longa jornada e peregrinação pelo mundo, o profetismo é dom de Deus. Ao profeta coube anunciar a palavra de Deus que conduziu o Povo de Israel e hoje a sua Igreja, mantendo-a fiel a aliança e a promessa do Senhor. A história da salvação continua hoje em meio a tantas opressões, mais uma vez Deus fala pelo profetismo de seus chamados.

Os textos da Sagrada Escritura confere status de profeta a muitas pessoas do povo de Israel. Desde a Abraão (Gênesis 20,7) e Moisés (Deuteronômio 34,10) Deus fala ao seu povo por meio de profetas, homens e mulheres. No livro de Juízes apresenta um profeta anônimo que dirige-se a Gideão com a missão de libertar o povo Israel do jugo estrangeiro que conta com a participação da profetisa Débora (Juízes 4-5). Há muitas outras menções aos profetas e estes emprestam seus nomes para nomear os livros sagrados como Samuel, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Amós, Miqueias e os escritos dos Reis, livros são dedicados ao profetismo de Elias e Eliseu. O Novo Testamento abre suas páginas com o profetismo de João Batista que prepara a comunidade de Israel em pleno deserto para acolher a Deus em viva voz na pessoa de Jesus de Nazaré, o profeta por excelência da história da salvação.

O anúncio da Boa-Notícia da ressurreição de Jesus precisou do profetismo de Deus manifesto na palavra e no testemunho dos discípulos, dos primeiros cristãos, das comunidades primitivas, dos mártires e de inúmeros homens e mulheres anônimos que abraçaram a fé cristã. Os magos que atravessam o oriente peregrinando até Belém manifestam um profetismo de Deus entre os povos pagãos que reconhecem Jesus Cristo como a luz dos povos (Mates 2,1-12). O profetismo é uma espécie de Epifania – a manifestação do Senhor como o único Caminho, Verdade e Vida para o mundo (João 14,6). A voz da profecia é como luz que ilumina a noite e que espalha a fé como força libertadora e transformadora. A conclusão que se tira é que Deus age pelo poder de sua palavra que tudo cria e que tudo liberta (João 1,1-18).

No percurso da história da salvação como da conquista da Terra Prometida, a voz de Deus manifesta-se aos pobres e oprimidos (Josué 1,12,23). Quando os pobres e oprimidos fazem escolhas contrárias a Aliança da libertação, a voz de Deus manifesta-se pelos profetas como Ezequiel, que compara o povo de Israel um vale de ossos (Ezequiel 37). Hoje, não precisa ser um sociólogo para entender a realidade, basta elevar os olhos sobre as grandes cidades e perceber nelas um grande campo devastado por desemprego, violência, pobreza, ausência de saneamento básico, falta de políticas públicas e outras. Nos grandes centros urbanos há muitos escombros, cinzas, ossos ressequidos, ausência de espírito libertador onde multidões de seres humanos vivem a sombra da morte, da escravidão e do abandono social e público, como Ezequiel comparava a situação do povo de Israel. Hoje, para milhões de pessoas o amanhã não será nada promissor.

O profetismo de hoje direciona-se para os novos cadáveres de Ezequiel, que denuncia o sofrimento de milhões de homens e mulheres que diariamente vivem no mundo como verdadeiros refugiados do próprio mundo. Na virada do ano de 2020 mais de 250 milhões de crianças e jovens viviam desamparados de qualquer auxílio governamental e filantrópico. Um bilhão e trezentos milhões de pessoas passam fome diariamente no mundo. No Brasil chega 54 milhões de pessoas que estão sem trabalho e 34 milhões vivem em sub-habitação.

No momento percebe-se na Igreja Católica do Brasil a ausência do profetismo de dom Helder Câmara, Pedro Casaldáliga, dom Paulo Evaristo Arns e de tantos pastores fiéis ao Evangelho. A história da salvação mostra que o profeta está a serviço da palavra de Deus que é vida e libertação humana. A esperança de um novo profetismo da Igreja vem do menor estado do mundo o Vaticano, da palavra de Francisco, o profeta identificado com a voz de Deus e do Evangelho. E, na verdade, Deus não elege muitos profetas, mas o seus eleitos são de um profetismo ímpar e único, como de Francisco.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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