A dor dos outros
A dor é um fenômeno universal. Nenhum ser humano viverá sem passar por ela. Há dores de toda natureza, a física, a moral, a psíquica, da alma e outras. Hoje não faltam teorias explicativas para o fenômeno, os esforços das ciências e uso de recursos paliativos para superá-la. Estamos no momento histórico das dores, sendo preciso um olhar para a dor dos outros, até como um meio de consolação e salvífico do ser humano.
A dor sempre foi objeto de muita preocupação e estudos. Na lista dos estudiosos está o filósofo, escritor e político romano Sêneca (4 a.C. – 65 d. C.). Sêneca se propôs a encontrar argumentos filosóficos capazes de ajudá-lo a entender e a superar suas paixões, angústias e desordem da alma. Sua procura era entender a dor que abala a pessoa a ser consolada e captar o sofrimento dela para assim melhor chegar ao seu espírito. Em sua busca não concebe a pessoa submissa, ao contrário, a vê como um ser superior, que se impõe ao meio, não se deixando vencer pela dor e pelas desgraças humanas.
Conta em seus anais filosóficos as Consolações de Sêneca, texto também conhecido como a Consolação a Márcia. Consolações de Sêneca ou Consolação a Márcia, é a primeira carta do filósofo, escrita por volta do ano 40 d.C. A carta é endereçada a Márcia, filha de um proeminente historiador, por ocasião de seu luto pela morte de seu filho Metílio. Com seu texto, Sêneca busca consolar Márcia pelo seu luto que continuava crônico e sendo uma tragédia que se prolongava a três anos.
A carta de Sêneca acabou sendo além de uma admirável peça de consolação, oferece argumentos da filosofia estóica e sua visão de mundo. Visando ajudar os enlutados e desolados a considerar outros aspectos da perda e também a reconhecer a inevitabilidade da morte, Sêneca buscou transformar a tristeza paralisante de Márcia em belas e agradáveis lembranças do tempo que passaram juntos.
Sêneca reconhece a humanidade da dor, nunca considera o luto de Márcia como insignificante, mesmo três anos após a morte do filho. O filósofo emprega uma gama de argumentos da escola estóica para convencê-la de que já passou o tempo suficiente, de que ela deveria voltar à sociedade como um membro atuante, enquanto transforma sua tristeza em doces lembranças de seu filho. Sêneca nos ensina o quanto é difícil fazer uma abordagem mais humana do luto, da dor da perda, da mãe que perde um filho, algo imaginável.
Na obra Odisseia, o poeta grego Homero do século VIII a. C. e VII a.C. que narra a história de Ulisses, que após passar dez anos na Guerra de Troia, leva mais 17 anos para voltar para casa, passando por muitas aventuras no caminho. Nessa narrativa Homero tece elogios ao nepenthés, bebida que acreditava ter a propriedade de aliviar e desfazer todas as paixões, ressentimentos e tristezas. Ainda relata que Helena, personagem que segundo a mitologia grega, era filha de Zeus e da rainha Leda, acrescentará uma droga maravilhosa ao vinho, o que fizera os parentes dos heróis da guerra, que choravam a lembrança dos familiares e amigos, recuperarem a alegria e o ânimo.
A crença na eficácia de um remédio físico contra as dores morais e físicas vindos dos sábios gregos e do Egito não foi abandonada. Mesmo com advento do cristianismo, cristãos se deixaram influenciar pela incompreensão das palavras. Com base na sua semelhança, como a palavra grega balaneîon (banho) com a palavra ballo (expulsar), assim chegou a considerar que o banho era capaz de expulsar as dores da alma.
Santo Agostinho, ilustre padre da Igreja, diante da morte da mãe, Mônica, não sabendo como mitigar a amargura de sua importável tristeza, considerou banhar-se. Em suas Confissões (IX 30-32), Santo Agostinho, num desabafo de alma diante de tão grande tristeza fala a Deus que: “não se alimentando mais de palavras vazias, pareceu-lhe bem tomar um banho, por ter ouvido dizer que a palavra latina balneum (banho) provinha da grega balaneîon (expulsar), pois os gregos acreditavam que o banho expulsava da alma a tristeza”.
A dor em seu estado crônico torna as pessoas descrentes de remédios que não mais lhes traziam alívio, estas buscam encontrar nas palavras um alento. Encontra-se no dramaturgo grego Ésquilo (525 a.C.), alusão: “às palavras que curam”. Nas peças de Eurípides (485 a.C.), poeta grego, os personagens repetem frequentemente em meio às queixas, que: “nos sofrimentos, doces são as palavras de um amigo, como é doce um rosto benevolente, e que é necessário ao aflito um amigo, como ao doente, um médico”. No século XVII, os partidários do café atribuíram a ele virtudes moralmente calmantes.
No estilo literário de Sêneca, na filosofia e na arte grega encontramos o desejo de consolar o outro na sua dor. O verdadeiro desejo de consolar nasce de uma manifestação espontânea do nobre coração, que visa atenuar por meio da palavra, os sofrimentos que angustiam o outro. Por este desejo humano, podemos dizer que a consolação é tão antiga quanto a humanidade. Certamente, a partir do momento que as pessoas colocam seus sentimentos a serviço da dor alheia, a arte de consolar desenvolveu-se também em seu conteúdo literário.
As guerras são formas patriarcais de fazer política, que pratica maus afetos como: o desejo de dominar, de subjugar, o ódio, a disputa, a humilhação, o rancor e o ressentimento contra o outro. Elas, as guerras, produzem lucros para indústria das armas, mas como produto da indústria do espetáculo. Elas ajudam a produzir e reproduzir o vazio mental e emocional das massas. Elas são a indústria do sofrimento e da tristeza.
Frente a tantas dores provocadas pela maldade humana, será preciso multiplicar os consoladores. A consolação é uma ciência, uma espécie de comunidade moral. A dor do outro leva-nos a pensar em Jesus Cristo, o mestre da consolação onde os sofredores encontram alívio e salvação. Toda sábia consolação é a libertação do outro e de suas dores.
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