Subsídios exegéticos para o 1º Domingo da Quaresma
Domingo 21 de fevereiro de 2021
SUBSÍDIOS EXEGÉTICOS
LITURGIA DOMINICAL - ANO B
1º Domingo da quaresma
Dia: 21 de fevereiro de 2021
Primeira Leitura: Gn 9,8-15
Salmo: 24, 4bc-5ab. 6-7bc. 8-9
Segunda Leitura: 1Pd3,18-22
Evangelho: Mc 1,12-15
O evangelho deste primeiro domingo da Quaresma é composto por dois pequenos blocos: a tentação de Jesus (vv. 12-13) e o início do ministério de Jesus na Galileia (vv. 14-15).
O relato marcano da tentação de Jesus no deserto é extremamente sumário: apenas dois versículos (vv. 12-13). No entanto, no plano narrativo de Marcos é de extrema importância: primeiro Jesus vence a tentação e só depois começa a expulsar o mal que ameaça o projeto do Reino de Deus.
O v. 12 afirma que, após Jesus ser batizado, o Espírito o conduz ao deserto. O deserto, mais do que um lugar geográfico, é o espaço que desperta a memória da experiencia libertadora do Êxodo como proteção divina (Ex 15,22–18,27). O deserto é também o lugar do encontro com Deus (Dt 32,10), é o lugar para refazer a aliança (Os 2,16). Os profetas do exílio recorreram à imagem do deserto para anunciar que, como no passado, Deus viria salvar seu povo e fazer com ele um “novo êxodo” (Is 40,3). Todos esses elementos ajudam a compreender a importância do deserto na vida de Jesus: é a transição da vida oculta para a vida pública, para o tempo em que Jesus atua a salvação prometida por Deus pelos profetas.
O v. 13 afirma que Jesus permaneceu no deserto quarenta dias. Quarenta é um número simbólico, como muitos exemplos na tradição bíblica (Ex 34,28; Dt 8,2; 1Rs 19,8 etc.). No Antigo Testamento, o livro dos Números narra a tentação de Israel no deserto; agora, Jesus refaz simbolicamente o caminho de Israel no deserto (40 anos / 40 dias). Mas, a atitude de Jesus é totalmente diferente da atitude do povo da Antiga Aliança: Israel caiu na tentação da rebeldia e da murmuração; Jesus, ao contrário, vence a tentação. A liturgia cristã apropriou-se deste simbolismo e instituiu um tempo de 40 dias – a “quaresma” – de penitência e preparação para a Páscoa.
O mesmo v. 13 afirma que Jesus era tentado por Satanás, o inimigo de Deus e dos seres humanos. A palavra “satanás” tem o significado de “advogado de acusação; adversário, inimigo”. Este não é o único confronto entre Jesus e Satanás no evangelho de Marcos. Em outras ocasiões, Satanás tentará frustrar o projeto do Reino de Deus (3,23.26; 8,33).
O v. 13 termina com a conclusão de que Jesus estava no meio das feras e os anjos o serviam. É uma referência a textos do profeta Isaías que falam da paz prometida para o tempo messiânico (Is 11,6-9; 65,25;). Desse modo, Jesus é apresentado como o Messias que realiza o projeto de Deus, caracterizado pela vitória sobre o poder do mal e pela completa harmonia e paz na criação.
Ao derrotar o poder do mal em si mesmo, Jesus começa a derrotar o poder do mal no mundo. Os vv. 14-15 são um sumário, um resumo do projeto teológico de todo o livro de Marcos.
Não é à toa que Jesus inicia este anúncio crítico depois que João tinha sido entregue, isto é, depois que o Batista tinha sido aprisionado por criticar o Herodes Agripa, um rei fantoche e subserviente ao imperador Tibério César. A prisão do profeta João Batista é vista como o ápice da iniquidade de Herodes Agripa e sinal de que havia chegado o momento da intervenção de Deus para libertar seu povo. Por isso, o v. 15 afirma claramente: Completou‑se o tempo oportuno e o Reino de Deus se aproximou. Convertei‑vos e crede no Evangelho.
O texto grego usa a palavra kairós: não se trata do tempo cronológico, mas do momento oportuno: a intervenção de Deus é agora! Na continuação, Jesus diz que o Reino de Deus se fez próximo. A palavra kairós na primeira frase do versículo pode levar ao engano de interpretar que Jesus esteja falando da proximidade do tempo. Mas não: o verbo “aproximou-se” aqui não tem a ver com tempo, mas com espaço: o Reino de Deus está aqui, está ao alcance da nossa mão. Então, o Reino acontece agora (kairós, momento oportuno) e aqui (está ao nosso alcance).
Neste contexto devem ser lidos os dois imperativos do v. 15: Convertei-vos e crede no Evangelho. Converter-se, aqui, significa mudar de mentalidade, deixar de acreditar nas promessas enganosas do Império Romano, para acreditar no Evangelho de Deus. Em outras palavras, não se trata apenas de não mais ter medo do Império, mas também de não assumir como projeto pessoal e comunitário uma paz baseada no sangue e nos cadáveres dos inimigos e derrotados. A verdadeira força que salva não é a opressão do Imperador, mas o compromisso com o Reino de Deus!
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