Em seu artigo semanal, Dom Rodolfo fala sobre o Grito dos Excluídos
Dom Rodolfo Luís Weber é arcebispo de Passo Fundo
Foto: Divulgação
O Grito
O dicionário Aurélio define o grito como “voz, geralmente aguda e elevada, de modo que se possa ouvir de longe; brado; vozes inarticuladas emitidas por quem sente dor, alegria, espanto”. O grito enquanto ruído, rugido, clamor, palavra não articulada indica simplesmente que alguém está sofrendo. O grito não é um raciocínio articulado. Não é uma frase completa. Não tem argumentação lógica.
O primeiro argumento que todos usam para chamar atenção para satisfazerem suas necessidades básicas, como recém-nascidos, é o choro. Muito parecido com o grito. Talvez mais grito que choro. Era o único recurso. Prontamente os cuidadores procuram interpretar o significado daquele ruído estridente. Por isso o grito tem um grande potencial comunicativo. Interpela o interlocutor por meio da emoção e do susto.
O pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) pintou em 1893 a obra “O Grito”. Uma pintura que retrata angústia e desespero. Esta obra foi leiloada em 02 de maio de 2012 por US$ 119,9 milhões, tornando-se a pintura mais cara da história a ser vendida em leilão. Os críticos de arte afirmam que neste quadro “a dor do grito está presente não só no personagem, mas também no fundo, o que destaca que a vida para quem sofre não é como as outras pessoas a enxergam, a paisagem fica dolorosa também, e talvez por esta característica do quadro é que nos identificamos tanto com ele e podemos sentir a dor e o grito do personagem”. Esta interpretação aponta que o valor do quadro alcançado no leilão não está só na qualidade artística, mas principalmente no tema retratado: o grito angustiado e desesperado.
No dia 07 de setembro aconteceu o 23º “Grito dos Excluídos”. Um momento cívico construído com a participação das comunidades cristãs, movimentos, pastorais sociais e organizações da sociedade civil. O tema deste ano foi “Vida em primeiro lugar”, e o lema: “Por direito e democracia, a luta é de todo dia”.
É um grito dentro de um contexto de profunda crise ética que vive a sociedade brasileira. A crise ética que tem levado a decisões políticas, econômicas e jurídicas que agravam situações de exclusão e penalizam, principalmente, o povo brasileiro pobre. O grito é último recurso e talvez o único que resta para aqueles que nada ou quase nada tem para a vida digna ou são despidos da sua dignidade. Simplesmente gritam: Tenho fome! Tenho sede! Não me mates! Tenham compaixão de mim!
Passagens bíblicas refletem que Deus não fica indiferente diante daqueles que clamam. “O Senhor lhe disse: Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-los .... (Êxodo 3,7-8) “O grito de aflição dos israelitas chegou até mim (Ex. 3,9). “Ao ver as multidões, Jesus encheu-se de compaixão por elas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). “Mas um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu, e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e tratou-lhes as feridas ...” (Lucas 10, 33-34).
O grito provoca reação imediata porque está em causa uma necessidade vital, que tem precedência e urgência. Ouvir o grito dos necessitados desencadeia um processo de formação da consciência ética e de compromisso com o outro. É um apelo para construir instituições que favoreçam o bem viver de todos os cidadãos, seja no país ou no mundo.
Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo
08 de setembro de 2017
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