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Um Novo Evangelho

Vanildo Luiz Zugno

A cada ano, geralmente no tempo da Quaresma ou do Natal, quando os sentimentos religiosos estão mais à flor da pele, a mídia sensacionalista mancheteia a descoberta de um novo Evangelho que durante milênios teria sido ocultado pela Igreja. Com o aval de um “cientista” de um instituto de pesquisa que ninguém sabe onde se localiza, sites sensacionalistas, jornais precisando chamar a atenção de leitores, emissoras de televisão em crise de audiência e rádios de duvidável credibilidade vão passando a informação adiante sem se perguntar da confiabilidade das fontes e da fiabilidade da informação. As redes sociais se encarregam de fazer o resto e logo uma multidão de pessoas está convicta de que descobriram uma namorada, a esposa ou um filho de Jesus.

Uma pesquisa mais atenta sobre o tema leva à conclusão de que se trata, na maioria dos casos, senão todos, da exploração requentada de uma cópia falsificada de um suposto fragmento de um texto apócrifo do séc. V que foi descoberto numa biblioteca do séc. XII!... Mas muita gente acredita e passam a escrever textos e textos sobre a hipocrisia da Igreja que tenta ocultar a verdade sobre Jesus e os youtubers do sensacionalismo produzem vídeos e mais vídeos que incautos assistem e compartilham em suas redes sociais na ânsia de convencer a mais e mais pessoas de que aquilo é verdade.

Por que tudo isso acontece? Por um lado, como já dissemos, pela necessidade da mídia em produzir conteúdos que chamem a atenção do público. E, conteúdos religiosos, principalmente quando tem um viés sensacionalista e mexem com a imaginação, sempre vendem bem. Por outro lado, o dos consumidores deste tipo de informação, está o desejo do novo, do extraordinário, do inaudito, do nunca visto que possa talvez preencher de uma vez por todas o vazio das pessoas carentes de sentido em meio a um mundo individualista e sensacionalista. Na verdade, este tipo de informação, nada diz a respeito de Jesus. Mas diz muito a respeito das pessoas que as buscam e nelas projetam seu eu e suas próprias necessidades, reais ou imaginárias.

Lembrei destes fatos ao ler nesta segunda-feira o texto da Liturgia Diária da Carta de Paulo aos Gálatas onde diz: Admiro-me de terdes abandonado tão depressa aquele que vos chamou, na graça de Cristo, e de terdes passado para um outro evangelho. Não que haja outro evangelho, mas algumas pessoas vos estão perturbando e querendo mudar o evangelho de Cristo. Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregasse um evangelho diferente daquele que vos pregamos, seja excomungado. Como já dissemos e agora repito: Se alguém vos pregar um evangelho diferente daquele que recebestes, seja excomungado. Será que eu estou buscando a aprovação dos homens ou a aprovação de Deus? Ou estou procurando agradar aos homens? Se eu ainda estivesse preocupado em agradar aos homens, não seria servo de Cristo. Irmãos, asseguro-vos que o evangelho pregado por mim não é conforme a critérios humanos. Com efeito, não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por revelação de Jesus Cristo. (Gl 1,6-12).

É um texto forte. Paulo excomunga da comunidade aqueles que pretendem alterar o Evangelho por ele anunciado. Nem que fosse um anjo que anunciasse um Evangelho diferente do recebido por Deus, deveria ser excomungado!

Pobres dos autores dos apócrifos. E pobres dos divulgadores de apócrifos, tão comuns, infelizmente, em nossos dias... Pobres daqueles que, mesmo ouvindo “amai-vos uns aos outros”, bradam a todos os ventos “armai-vos uns contra os outros”; pobres daqueles que, mesmo lendo “não matarás”, pregam a pena de morte; pobres daqueles que, ao invés de oferecer a outra face como ensinou Jesus, semeiam o ódio e o terror entre os pobres e desprotegidos; pobres daqueles que ao invés de repartir com os milhões de irmãos necessitados e famintos, acumulam insensatamente suas riquezas que as traças e a ferrugem hão de comer; pobres daqueles que do alto dos telhados, ao invés de proclamar a verdade, espalham mentiras, calúnias e fake news contra seus adversários; pobres daqueles que ao invés de descobrir que, em Jesus, não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, discriminam as pessoas por sua origem étnica, condição social ou de gênero; pobres daqueles que percorrem mares e terras para fazer um prosélito e, depois que ele dizima em sua igreja, transforman-no num “filho do inferno duas vezes mais infernal” do que seus próprios pastores... Pobres enfim daqueles que levantam templos em honra a Deus e destroem o templo mais sagrado que é o corpo do irmão e da irmã.

É um novo Evangelho que está circulando, inclusive dentro de muitas igrejas. E, como todo apócrifo, perigoso porque se disfarça com o discurso da verdade e da religião. Como todo apócrifo, precisa ser desmascarado. E, caindo a sua máscara, deixar que se divise o verdadeiro rosto dos que o propagam para semear a discórdia e a divisão, a mentira e a morte, os frutos daquele que divide, os frutos do diabo, satanás.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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