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Sucesso do fracasso

Gislaine Marins

Darcy Ribeiro afirmava que o fracasso da educação não era uma fatalidade, mas um projeto. Sonhador incansável, ele descreve em um de seus livros a magia de Dom Quixote, que denominava "máquina de fazer rir". Em relação à educação alimentava uma utopia incompreensível, se não entedêssemos o quanto fosse realista no que se referia às suas derrotas. Nutria o sonho de mudança, de uma educação de qualidade, que germinou e continua a alimentar a motivação de muitos professores, não obstante a realidade. O mestre dizia: "não gostaria de estar no lugar dos vencedores!" Não que ele desejasse perder suas batalhas: na verdade, Darcy Ribeiro sabia que educação para o sucesso é uma falácia. Educação é a vida inteira, uma aspiração insaciável e infinita.
Não é de hoje que o fracasso tem sido um sucesso na educação. Seria incorreto dizer que o problema vem de hoje. Há pelo menos cinquenta anos, desde a reforma do ensino promovida pelo regime militar, os brasileiros têm sido vítimas da falácia tecnicista, que se mostra obsoleta e geradora de desempregados a cada revolução tecnológica. A formação, quando não é vista como um aspecto permanente na vida, é um grande sucesso como criadora de fracassados.
Na onda saudosista que o Brasil tomou nos últimos tempos, nessa nostalgia masoquista e perversa que nos contagia, não poderia faltar uma séria investida contra os amontoados de palavras nos livros. É preciso acentuar o sucesso do fracasso. Afinal, para os que podem pagar, sempre haverá centros de excelência no mundo onde amontoados de palavras são considerados um elemento fundamental para adotar a postura, a técnica e os instrumentos adequados, que permitem às pessoas saberem aprender continuamente, independentemente de estarem ou não frequentando um curso. Para a maioria, porém, há quem julgue que convém suavizar e impedir que possa adquirir os meios necessários para a sua autonomia.
As vantagens do sistema gerador de fracassos, além de econômicas, são políticas. Fracassados acreditam em qualquer mentira mal contada e, principalmente, são incapazes de interpretar sozinhos uma simples estatística. Fracassados ignoram as leis e não sabem a diferença entre direitos e privilégios. Desprezam o conhecimento e pensam que podem viver com duas certezas, das quais foram convencidos, quem sabe por um ignorante mais famoso. Fracassados ignoram o seu próprio fracasso e isso os torna extremamente vulneráveis. São raivosos, pois não percebendo onde erraram, não podem admitir seus equívocos e vivem suas derrotas com ódio por algo ou por alguém a quem possam culpar. Fracassados votam com suas crenças, não com hipóteses e probabilidades. Fracassados entendem pouco, mas torcem para dar certo.
Somos o país do fracasso e do sonho. Falta ser um país que constrói em vez de destruir. Somos especialistas em frustrar nossas ambições e a sabotar as nossas possibilidades. Porém, seria injusto dizer que as pessoas querem isso conscientemente. No fundo, todo mundo quer vencer, conhecer, acertar. Seria bom se desse para fazer isso com livros amenos, palavras simples e raciocínio esquemático. Pensar exige tempo, afinco, exercício, leitura. Como podemos fazer isso numa sociedade que sofre de analfabetismo funcional?
Certa vez, um professor disse que daria o resumo da obra para a minha turma porque o original era muito difícil. Fiquei revoltada e fui para a biblioteca ler o original. Talvez tenha feito apenas por orgulho, mas o importante é fazer. A maioria dos professores, felizmente, não é assim. Contam histórias e fazem a gente sentir o desejo de saborear as palavras. Nunca vou esquecer a vontade que sentia de ler Grande Sertão: Veredas. Tentei umas dez vezes, mas não desisti. Se aquele livro emocionava tanto o meu professor, deveria conter algo que eu não conseguia compreender. O que me salvou foi a curiosidade, mas não importa. O importante é que li. Um belo dia, quando achava que iria desistir de ler o romance, as palavras começaram a ecoar na minha cabeça como se fossem uma conversa a fio, sem fôlego, tomada pela força da memória e do intenso desejo de compreensão do mistério Diadorim. Foi uma das maiores vitórias da minha vida. O livro não me ensinou a trocar lâmpadas, a varrer melhor o chão, a operar máquinas complicadas. Ensinou o próprio sistema de pensar seguindo o pensamento do outro, ensinou a ouvir e venceu os meus medos das palavras difíceis e desconhecidas. Com livros amenos eu jamais teria alcançado esse resultado.
Em tempo: lendo bem as instruções, já pintei paredes, troquei lâmpadas, arrumei toca-fitas, fiz artesanato, servi pizza, aprendi a fazer encadernação e muitos outros ofícios, alguns dos quais muito complexos e que nenhum livro facilitado me permitiria aprender.
 

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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