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Que eu trabalhe, que tu trabalhes, que ele ....

Miguel Debiasi

Você trabalha? Quantas vezes nos é feita essa pergunta. O fato de não trabalhar tem consequências negativas para todos. O Papa Francisco diz que é preciso que todos tenham acesso a três condições básicas para viverem de forma digna e ética: terra, teto e trabalho. Nenhum ser humano se realiza sem trabalho e sem condições de executá-lo para o provento justo e digno de sua família. Este parece-nos ser outro desafio da humanidade no século XXI.

 

Há quem sustente a tese que é a partir do modo de produção capitalista financeiro que se expande a degradação das relações e condições de trabalho, que teria iniciado após a Segunda Guerra Mundial, quando bancos e empresas se unem para obter maiores lucros. Nessa época surgem as empresas multinacionais e transnacionais que fortalecem as práticas monopolistas que estão em vigência até nossos dias. Com base nas leis das instituições financeiras e dos grandes grupos empresariais, o capitalismo financeiro promoveu uma elevada concorrência internacional, monopólio comercial, evolução tecnológica, globalização da economia, urbanização e êxodo rural. Outra estratégia do capitalismo financeiro foi vender parcelas de seu capital na bolsa de valores e com isso passou a produzir riqueza por especulação. O resultado foi desemprego e acumulação de capital e monopólios nunca vistos antes.

 

Na década de 1980 o capitalismo financeiro com ideias neoliberais passa a defender o Estado mínimo e a pouca participação estatal na economia. Dessa forma o neoliberalismo defende as próprias regras do mercado que vão garantir crescimento econômico aos detentores do capital.

 

Para alguns estudiosos, o capitalismo financeiro apresenta-se em nova fase com o chamado capitalismo informacional, que significa um sistema econômico articulado em forma de rede de negócios. O capitalismo informacional como rede, ocasionou avanços nas tecnologias de informação, na aceleração e crescimento dos fluxos de informações, pessoas, capitais e mercadorias, concentrando capital nas mãos dos bancos e das grandes empresas. Isto significa mudança nas práticas culturais e sociais, construindo uma nova estrutura social que implica novo paradigma de trabalho e de trabalhador(a).

 

No capitalismo informacional articulado em rede de negócios, o trabalho se desenvolve na regra do “mais-valia” que representa a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho. Neste cenário de permanente disputa da política de mercado sectária faz-se necessário uma teoria social crítica a respeito das transformações do mundo do trabalho. Teoria que vai fomentar na classe trabalhadora uma reflexão crítica da realidade e objetivar uma resistência à logica de acirramento da exploração do trabalho e do trabalhador(a).

 

Se o capitalismo financeiro articulado em rede de negócios tem sua explosão e expansão em nosso tempo, é preciso questionar a concentração do capital em detrimento da saúde e dos direitos dos trabalhadores. Cabe à classe trabalhadora fomentar conscientização dos trabalhadores(as) da diferença entre o salário pago com o valor da mercadoria produzida e a valorização do trabalho como elemento de construção da identidade do sujeito, da evolução sociedade e da história através do trabalho.

 

Na concepção genuína o trabalho implica numa produção sociocultural e pressupõe o crescimento das civilizações, livre da exploração, da escravidão, das injustiças sociais. A humanidade moderna não pode continuar refém do sistema econômico onde um pequeno grupo de bancários e empresários se apropriam dos recursos naturais, da produção como bem privado e se distanciam do restante da sociedade. No século XIX o filósofo, economista, historiador sociólogo, teórico político Karl Marx (1818-1883), denunciou este processo de alienação do homem que é um processo de alienação dos objetos de trabalho, como matéria prima; alienação dos meios de trabalho, como das ferramentas; e inclusive alienação do próprio trabalho, como do sistema de máquina tenderá a negar o processo de trabalho propriamente dito.

 

A humanidade contemporânea está submetida a incerteza do futuro provocada pelo modo de produção capitalista neoliberal que advém da ideia baseada na propriedade privada, no domínio dos recursos naturais, dos meios de produção e do controle social do trabalho assalariado, produtor de riqueza e capital. Em contrapartida, a resposta da humanidade para a degradação das bases do trabalho é intensificar a luta por melhores condições laborais e de remuneração, potencializando um movimento sociocultural contra a desigualdade social e deterioração da saúde dos trabalhadores(as). Ciente que o trabalho é uma atividade sociocultural e coletiva. O sujeito do trabalho nunca é um sujeito isolado, mas sempre se insere num conjunto socioeconômico, social, cultural e com outros sujeitos.

 

A sociedade do século XXI precisa conceber o trabalho como fonte de valor sociocultural, elemento constitutivo do mundo baseado na justiça e na igualdade social. O trabalho determina uma identidade sociocultural, uma humanidade sanada em suas necessidades vitais. Ele tem múltiplas inserções socioculturais desde os modos de ser da classe trabalhadora e da sociedade no seu desenvolvimento histórico como humanidade-que-vive-do-trabalho-justo-ético-ecológico-sustentável.

 

O trabalho é uma vida reconhecida. Jesus Cristo reagiu a um questionamento feito por um grupo de judeus, na época detentores do capital e do poder político dominador: “Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho” (João 5,17-30). É imperioso compreender o sentido e defender a necessidade de trabalhar, porque o trabalho se relaciona a todo âmbito da vida, para o bem social, educacional, familiar, afetivo, estar-coletivo.

 

Futuro melhor, sociedade justa, trabalho digno e trabalhador(a) valorizado são inseparáveis, todos complementam o outro. Na falta ou no desprezo de um não existe o outro completo e decisivo. Ou na exploração de um não existe sentido e valor no outro. Para o bem da humanidade que tenhamos acesso a todos. Assim, que eu trabalhe, tu trabalhes, ele ....              

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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