Páscoa: nosso ponto de partida
Um dos principais filósofos gregos do mundo antigo, Plotino (205-270 d.C.), realizou uma verdadeira refundação da metafísica clássica, desenvolvendo posições que são novas em relação ao pensamento de Platão e Aristóteles. Uma nova ideia está na concepção do Uno-Bem como algo “acima do ser” e da inteligência já transparecida em Platão. O “ser-acima”, consiste precisamente na “infinitude” do Uno que é inefável. Enquanto toda palavra e pensamento expressam alguma coisa determinada. O Bem é agathón, ou um Bem-em-si. Um Bem-em-si que todas as coisas precisam e que necessita todo ser humano. O Uno-Bem é a causa de todo o resto e que está acima do ser, do pensamento e da vida. Então, o Uno-Bem é o Absoluto que se basta a Si mesmo.
A filosofia de Plotino nos leva a uma pergunta: por que há o Absoluto em si e por que ele é o que é? Uma pergunta feita por poucos filósofos gregos. Para Plotino a pergunta é fundamental porque depara-se com os limites da inteligência, do pensamento e das escolas. Foi por esta pergunta que Plotino chega a uma elevada resposta que se coloca no cume de toda atividade do pensamento ocidental. A resposta de Plotino definiu o Uno-Bem ou ser Absoluto em si mesmo, é por que ele se “auto-põe”. O Absoluto é atividade “auto-produtora”. É o “Bem que se cria a si mesmo”. Nele, a sua vontade e a sua essência coincidem. Ele é assim como Ele quer ser. Ele é o que de mais elevado possa imaginar o ser humano. Aquilo que existe em si e para si, e transcende a si mesmo. Este Absoluto ou Uno-Bem, para um cristão é Deus. Só Deus é Absoluto no ser e no fazer ser sua vontade.
Se o Uno é uno e que permanece Uno em sua atividade “auto-produtora”, e do qual deriva e procede qualquer outra coisa diversa dele, isto pode ser comparado ao núcleo da fé dos cristãos, o Mistério Pascal de Cristo. Toda atividade de fé dos cristãos procede, por excelência, da Páscoa de Cristo. Atividade de fé dos cristãos, depende da primeira, daquela que se “auto-põe”, propriamente, do mistério pascal de Jesus Cristo. Este raciocínio é suficiente para mostrar que não se pode falar e celebrar a Páscoa sem viver e atualizar a suprema atividade redentora que se “auto-põe” – a Páscoa de Cristo. Plotino compreende o Uno-Bem ou Absoluto como uma potência infinita, que expande e autoproduzindo o outro de si. Assim, é celebrar a Páscoa do Senhor, dela nasce a nova vida e a missão de fé dos cristãos por excelência neste mundo.
Alguns textos bíblicos nos ajudam a entender como o ser humano é inteiramente livre e ao mesmo tempo dependente de Deus e do que Ele nos oferece. E a oferta de Deus é puramente benevolência, dom gratuito. A benevolência de Deus é unilateral, como ele diz a Noé e seus filhos, após o dilúvio: “Eis que estabeleço minha aliança convosco e com os vossos descendentes depois de vós, e com todos os seres animados que estão convosco (...). Estabeleço a minha aliança convosco: tudo o que existe não será mais destruído pelas águas do dilúvio; não haverá mais dilúvio para devastar a terra” (Gênesis 9,9-11). Outra passagem muito significativa do Antigo Testamento que indica a aliança entre Deus e o povo de Israel é a de Moisés apresentando a Palavra e as leis do Senhor ao povo que responde afirmativamente: “observar toda a palavra e lei do Senhor” (...). Para materializar esta aliança com Deus, Moisés tomou o sangue e aspergiu sobre o povo, e disse: “Este é o sangue da Aliança que Senhor fez conosco, através de todas as cláusulas” (Êxodo 24,3-8).
Em muitíssimos textos bíblicos como do profeta Jeremias se anuncia a promessa de Deus do estabelecer “da nova aliança” (31,31ss). Esta Nova Aliança deveria durar até a vinda de Cristo, como escreve o autor da carta aos Hebreus (9,11-22). No Evangelho de Mateus lemos as palavras do próprio Cristo que tomou o pão, partiu e distribuiu aos discípulos dizendo: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”. Depois tomou o cálice e, dando graças, deu-lhes dizendo: “Bebei dele todos, pois, isto é, o meu sague, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados” (Mateus 26.26-28). Em João lemos que “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3,16). Na Sagrada Escritura, Jesus é a testemunha fiel da aliança de Deus com o povo de Israel e estendida a humanidade inteira de todos os tempos (Mateus 17,5).
Assim, precisamos compreender o Mistério Pascal de Cristo, a paixão, a morte, a ressurreição e ascensão aos céus, sendo o conjunto de acontecimentos inseparáveis, nos quais dão pleno conhecimento da vontade de Deus (Colossenses 2,2-3; Efésios 1,9-10). O Mistério Pascal é uma realidade que ultrapassa todo conhecimento e inteligência humana. É um dom de Deus. A nova realidade de Deus que nos oferece gratuitamente pelo seu amor salvador. O Mistério Pascal de Cristo é a realidade que abrange toda ação salvífica de Deus, do pesah hebraico e da paschá do aramaico e dos cristãos a Páscoa. O Mistério de Cristo admite vários níveis de compreensão, todos relacionados entre si, como da paixão, morte, ressurreição e a ascensão, como do início de uma Nova Aliança com Deus. Bem como, do começo e ponto de partida de uma nova vida, uma nova era, uma nova caminhada.
Em suma, participar ativamente do Mistério Pascal de Cristo faz com que em todo tempo, no presente e no futuro aconteça realização da história da salvação. Parafraseando o filósofo Plotino, podemos compreender e dizer que a Páscoa de Cristo é o “auto-põe” e o “auto-produtor” da verdade perene, da vida e da obra da salvação, o nosso ponto de partida para viver solidamente a fé em Deus. Na esteira do filósofo Plotino, a Páscoa de Cristo é o mistério ou “ser-acima”, ação “auto-produtora” da “infinitude”, do “Uno-Bem” ou de Deus em si mesmo e para toda história e toda humanidade. Enfim, vivendo a fé em Cristo caminhamos para a Páscoa eterna, da elevação da vida em Deus, da sua glorificação pelo dom gratuito da ressurreição.
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