Palavra vazia, palavra significada
Amar dá um trabalho e tanto. Isso acontece porque as pessoas não são perfeitas. É fácil amar as virtudes, a beleza, as qualidades, aquilo que se encaixa direitinho na medida dos nossos sonhos. Duro é amar as manias, as limitações, as impertinências. Duro é estar disposto a conviver com isso, é ter disposição para mudanças lentas, quase imperceptíveis e não perder a motivação. Aí é que são elas. Amar é um trabalhão, nunca acaba, é um preencher espaços, um reformular constante, um dar significado ao incompreendido. A gente nem terminou de compreender algo e já nos aparece outra coisa a exigir aceitação, partilha, transformação, discussão, paciência, acordo. Amar é uma lida permanente. Um confronto que sempre acaba bem, mas requer muito esforço e nunca nos dá trégua.
Odiar é muito mais fácil. Basta demonizar. Negar o outro. Apagar a memória. Esquecer e nunca perdoar. Despejar as mágoas. Sentir-se livre de qualquer responsabilidade. Apontar o dedo. Culpar. Desprezar tentativas de conciliação. Acusar. Criar vazio. Abrir espaço. Produzir vácuo. Impedir o diálogo. Isolar-se. Acreditar cegamente na própria pureza. Fechar-se ao questionamento. Desejar no seu íntimo um mundo que jamais poderá existir: onde as pessoas vivem sem jamais cometer um erro, sem nenhuma divergência, sem nenhum crescimento, sem mudança. Um mundo totalitário habitado por fantoches adestrados.
O paradoxo dessa posição é que os odiadores, diante da incapacidade de ver os próprios defeitos, pensam que o mundo perfeito, existente apenas em suas cabeças, é bom. Não quero fazer apologia da imperfeição, mas somente mudando os nossos defeitos podemos ser melhores. É impossível prescindir das nossas fraquezas. É humano reconhecer os nossos erros e tentar melhorar. Mundo perfeito não existe, a perfeição é uma meta, uma aspiração, não uma condição ou um ponto de chegada. Vivemos para acolher essa limitação, sem perder o ânimo, sem se acostumar à mediocridade.
É disso que estamos falando nessas eleições também. Falamos de uma parte da população disposta a lutar por um Brasil melhor, com propostas muito diferentes entre si, falíveis, questionáveis, mas carregadas de sonhos, desafios, ousadia, esperança, coragem. E falamos de uma outra parte que se coloca acima da realidade, ignora o mundo ao seu redor, recursa-se a dialogar, invoca o seu ódio como forma de imposição da sua presença no mundo. O que querem? Não sei, porque o discurso é vazio e ideias não se propagam no vácuo, ainda que metafórico ou político.
É disso que estamos falando nessas eleições: de um país que não verá um milagre. De um país que deve saber reconhecer os seus próprios limites e deve querer vencer os seus desafios com a força dos que sabem que a história não tem fim. O país que queremos é tarefa nossa, e será dos nossos filhos, e das gerações que virão depois deles. O país que queremos nunca foi perfeito e nunca será: ele espera a nossa ousadia, a de preencher os seus significados, sem esperar recompensa. O país que queremos é a vitória da generosidade, da empatia, do saber estar no lugar do outro, não de tirar o seu lugar. O país que queremos não é um amontoado de palavras vazias, não é o lugar do ódio. É a materialização das palavras no pão, no salário, na saúde, na educação, na cultura, no respeito, na segurança. O país que queremos é o suor cotidiano para dar sentido aos nossos sonhos, para transformar, dia após dia, as palavras em saliva, a saliva em gestos, os gestos em resultados. O país que queremos se chama Brasil. É bonito, é cheio de defeitos. Mas é o que temos. É nosso, é nossa responsabilidade. É para sempre. Tratemo-lo com amor. Não com ódio. Façamos o Brasil crescer. O Brasil do ódio é mera ficção. Palavra de especialista em literatura: eu mesma. Perdoem a falta de modéstia, mas professor existe para isso, para colocar as palavras no seu lugar.
Comentários