“O pobre trabalha para distrair ...”
Desde o século XII o cristianismo estendia sua mensagem sobre todo ocidente e oriente. Aos olhos da humanidade a mensagem cristã penetrava em todas as populações. Igrejas, comunidades, grupos, movimentos mendicantes se organizavam, personalidades e lideranças tiveram um papel fundamental para difusão da mensagem cristã pelos quatro cantos do mundo. A expansão do cristianismo indicaria que a humanidade viveria à luz da mensagem do Evangelho, conduzindo homens e mulheres no itinerário de Cristo. Hoje parecer-nos ser uma realidade humana ainda bastante distante do proposto pelo Evangelho de Cristo.
A humanidade respira no espírito da secularização e consequentemente da indiferença quanto ao papel da religião, pergunta-se: Haveria a possibilidade de fracasso do plano de Deus? Do que serviria a encarnação do Filho e morrer na cruz sem a realização do plano da salvação? O testemunho de milhares de mártires e o trabalho de tantos missionários e comunidades cristãs teria sido inútil diante de uma humanidade que se afasta dos valores do Evangelho? Seguramente a humanidade ainda está muito distante de viver segundo o que propõe o santo Evangelho. Destarte, não há sinais suficientes para assegurar que a civilização futura usufruirá melhor da mensagem do Evangelho. Parece-nos bastante óbvio que no decurso da história da civilização o Evangelho não foi aceito por todos e como consequência causou muitas divisões sociais e confrontos com os poderes, autoridades e regimes políticos. Para os cristãos, por um lado, seria muito vã se a cruz de Cristo não apontasse para existência de forças, poderes, projetos que boicotam e se sentem ameaçados pelo plano de Deus. Por outro, na cruz de Cristo não há como desfazer-se das claras ameaças que rondam a realização do plano de Deus em todas épocas da história da civilização.
Roger Bacon (1214-1292), inglês de muitas atribuições e profissões, dizia que a aprendizagem não viria pelo ensinamento filosófico, mas pela experiência afinada a crítica textual e por uma teologia positiva inspirada pela Bíblia. O escocês Duns Scotus (1266-1308), filósofo muito sutil em suas argumentações afirmava que a vontade tem primazia sobre o conhecimento intelectual. O franciscano inglês Guilherme Ocam (1295-1350) dizia que somente o conhecimento sensível garantia a existência dos seres e dos fenômenos. Os eremitas e os membros das ordens medicantes da Idade Média conclamavam os cristãos para uma vida despojada dos bens terrenos em vista dos santos conselhos evangélicos. No percurso da história da Igreja e do cristianismo, pode-se dizer que a maioria dos cristãos de uma forma a outra valorizaram estes ensinamentos religiosos fortalecidos pelas experiências da vida, pela espiritualidade bíblica e pela mística. Em termos precisos, valorizou-se mais a experiencia da fé, a prática religiosa do que propriamente a reflexão teológica da crença em Deus. Sem dúvida, isto foi uma das grandes contribuições da fé cristã, da valorização da vida por meio de caridade, solidariedade e do amor ao próximo sustentadas por uma forte espiritualidade.
O ministro da economia Paulo Guedes disse no dia 28 de março “que os pobres são gente simples que trabalha todo dia para nos alimentar e para nos distrair”. E acrescentou: “há um mar de brasileiros valentes que são os autônomos, vendendo bala na praia para nos distrair”. A opinião do ministro da economia representa um total desprezo com milhões de pessoas desempregadas do país, desconsiderando sua dignidade humana. Pela sua fala, bem como, pelos seus atos o ministro prova que ocupa um cargo público não em vista de servir ao bem comum do povo brasileiro, mas em prol de poucos detentores da economia. Pode-se dizer que é algo que tem defendido e praticado em toda sua vida quando funcionário público, trabalhar para os interesses dos grandes grupos econômicos. Aliás, hoje continua ministro da economia a mando destes grupos econômicos que tem apenas o interesse de abocanhar bens e patrimônios públicos que pertencem ao povo e a nação brasileira.
A constante desvalorização das pessoas pobres pelo ministro da economia fere a ética cristã, ainda mais que, na outra extremidade sua vontade política é fazer do Estado uma peça a serviço das empresas privadas. Precisamente, a opinião do ministro é esteira da política neoliberal que valoriza mais a economia que satisfaz o luxo e o lucro de poucos ao invés da coletividade. Por menor que seja a influência da mensagem do Evangelho na humanidade, cabe no mínimo aos cristãos denunciarem as injustiças do sistema capitalista que ultraja a dignidade humana. Embora o vento político assopra a favor dos interesses do mercado, da economia, cada cristão que deseja ser coerente com o Evangelho e com a mensagem de Cristo, precisa levantar a sua voz e pôr-se em defesa dos últimos e excluídos, a exemplo da opção de Deus (Êxodo 3,7). Pois, nenhum ser humano foi procriado para “distrair”, mas para ser amado e respeitado ao máximo na sua integridade e dignidade (Mateus 22,39).
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