O desafio da Igreja: ressignificar a comunidade eclesial
A Igreja católica é constituída de pessoas e organizada em comunidades eclesiais. Em dois mil anos de cristianismo expandiu-se pelo mundo para responder ao Evangelho: “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19). No entanto, a proposta do Evangelho passa pela vivência da fé em comunidade eclesial. Hoje, diante de inúmeras ofertas de espiritualidade, a comunidade eclesial precisa ressignificar sua experiência.
Com o rompimento da unidade religiosa provocada pela modernidade, abriram-se caminhos livres da obediência e da tradição. Nesta lógica, as ideias modernas acentuaram perspectivas subjetivas, rompendo com o espírito comunitário eclesial. No despertar de nova cultura, passou-se a valorizar mais os valores subjetivos, tudo orientando com base na ideia do indivíduo livre. Tudo é pensado e executado à luz deste novo paradigma. Esta nova filosofia, resumidamente chamada de secularizada e moderna, impactou fortemente na tradição cristã. Como consequência, a comunidade eclesial perde sentido frente ao indivíduo, pois este tem autonomia ao percorrer um caminho livre de qualquer obediência, como a religiosa ou a moral.
Porém, em poucas décadas a nova filosofia de vida já provou que é insuficiente de significado à vida humana. A ideia de bastar-se a si mesmo apenas com as coisas materiais, prazer e satisfações o deixa infeliz. Permanece a necessidade de algo para preencher sua natureza. Isto significa que se a vida não for humanamente satisfatória, a pessoa oprime-se por suas escolhas. Em nova cultura caracterizada como moderna, o indivíduo fez a escolha de libertar-se do que o oprime e desumaniza.
Contudo, este ser humano é incapaz de realização sem relacionar-se com o outro, portanto, sem a experiência comunitária. Do ponto de vista da evangelização, sua liberdade constitui-se oportunidade de anunciar Deus e seus valores. Mais que uma ideia, o indivíduo é uma experiência de comunidade. Consequentemente, se constitui e orienta por sua natureza espiritual e sua pertença à comunidade. Portanto, a comunidade é o viés que o liberta das amarras subjetivas que o impedem de realizar-se plenamente. Pode-se dizer que a essência do ser humano consiste na sua relação com Deus e com o próximo.
Assim sendo, a comunidade eclesial torna-se o espaço que fortalece a natureza humana. Ainda que o espírito da modernidade tenha sustentado a condição de superioridade do indivíduo sobre as instituições, pressupõe a experiência de comunidade como regra de convivência social. Então, diante de uma sociedade moderna, globalizada e urbanizada, pergunta-se: o que a comunidade eclesial oferece para a realização da pessoa? A resposta a esta questão está no fato de, mesmo que o indivíduo se conduza pelo seu livre-arbítrio, não prescinde da comunidade para conservar a própria liberdade. No fundo, a secularização, globalização, ou urbanização acaba por aproximar as pessoas em ambientes como cidade, grupos e movimentos.
Enfim, cabe à comunidade eclesial ressignificar sua importância, sabendo que o ser humano precisa de mediação comunitária no intuito de preservar a própria autonomia. Ademais, a nova cultura foi insuficiente para combater a fé, e desta forma obriga a pessoa a reinterpretar seu modo de participação na comunidade. Ainda, corre a favor da comunidade eclesial que o mercado trabalha na lógica da segregação social, movimento que torna o ser humano infeliz. Quanto mais o mercado exerce pressão sobre as pessoas, mais se constata a necessidade do espaço comunitário. Então, por várias razões, a comunidade eclesial torna-se fundamental, por proclamar e assegurar que se preserve a dignidade humana intacta. Na verdade, a comunidade eclesial fortalecerá a liberdade das pessoas diante de uma sociedade que reduz o sentido da vida.
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