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Medo, liberdade, salvação e ignorância

Miguel Debiasi

 

Muito se falou dos atos terroristas e golpistas do dia 08 de janeiro de 2023 nas sedes dos Três Poderes em Brasília. Até que tudo não seja esclarecido e punidos os envolvidos, um outro tanto será dito. A gravidade do fato exige reflexão com intuito de construir um país livre, soberano e democrático. Para esta reflexão recorro a quatro termos: medo, liberdade, salvação e ignorância.

Na opinião dos analistas internacionais na invasão das sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federal está claro que os envolvidos são contrários à democracia e seu processo eleitoral. As pessoas que estavam na Praça dos Três Poderes foram identificadas como golpistas e terroristas. Estes ocuparam a rampa e a laje de cobertura do Palácio e do Congresso Nacional, invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Palácio do Supremo Tribunal Federal, vandalizando seus espaços e estruturas, deixando um rastro de destruição.

Os analistas internacionais comparam o ato de 08 de janeiro à invasão do Capitólio dos Estados Unidos, ocorrida em 2021 por apoiadores de Donald Trump, que se recusava a aceitar sua derrota nas eleições. Outra comparação faz alusão a Intentona Integralista de 1938 ao referir-se aos ataques como Intentona Bolsonarista, pela semelhança de tentativas de golpe de Estado fracassadas por um grupo de extrema direita da época. Na compreensão dos analistas, esses fatos não são algo isolado, mas estão associados à política de extrema direita articulada a nível internacional.

O fato de 8 de janeiro exige sérios estudos sociológicos, antropológicos, psicanalíticos e políticos. A partir do vazamento das entrevistas feitas aos terroristas e golpistas presos pelos órgãos públicos envolvidos; com base na pesquisa feita pelo Datafolha, mostra que 3% dos entrevistados são a favor dos ataques à democracia e aos Três poderes; e dos muitos comentários podemos construir uma prévia compreensão do acontecido, obviamente, ainda não suficiente para conclusão cabal.

O medo foi uma das explicações e justificativas usada pelos presos do atentado à Praça dos Três Poderes em Brasília. Medo de perder o carro. De perder o trator agrícola. De perder a casa. De perder os bens imóveis. Para a ciência da psicologia, medo é um estado emocional em alerta. O medo é a ideia que algo ou alguma coisa possa ameaçar a vida. O medo é uma sensação de alerta de sobrevivência das espécies. As características produzidas pelo sentimento de medo são duas prováveis reações naturais: o confronto e a fuga. Mas, segundo a psicologia, o medo é estimulado e provoca ansiedade e insegurança no indivíduo. O medo dos golpistas e terroristas foi estimulado por pessoas adversas ao estado da democracia e a segurança social que ela proporciona.

Liberdade foi a segunda explicação e justificativa usada pelos presos em Brasília. A invasão e a destruição foi para garantir a liberdade ao povo brasileiro. O ato em si mostra aos representantes dos Três Poderes de Brasília que golpistas e terroristas são os guardiões da liberdade da nação. A palavra liberdade tem origem no latim libertas, significa a condição do indivíduo que possui o direito de fazer escolhas de forma autônoma e de livre vontade. Na tradição cristã, a liberdade está associada ao exercício do livre-arbítrio. Na ciência do direito, a liberdade é um direito de cada cidadão. Na filosofia, a liberdade refere-se à independência do ser humano, autonomia, autodeterminação pela livre consciência. Na cabeça dos golpistas e terroristas a única liberdade que vale é a deles. A liberdade dos demais cidadãos que pensam e agem de forma democrática é inexistente.

A terceira palavra usada pelos presos em Brasília foi salvação. Na cabeça dos presos foi preciso invadir e destruir as Sedes dos Três Poderes para garantir a salvação do Brasil. Para estes supostos salvadores, era preciso agir de forma violenta para que o comando da nação não fosse entregue aos outros para evitar a perdição moral e religiosa da população. Agiram por vontade divina. Numa visão comum, a salvação é o livramento de uma situação muito ruim. No sentido bíblico, a salvação se refere principalmente à libertação do pecado e de suas consequências. A salvação implica que estamos em uma situação ruim e precisamos de uma mudança para o melhor e de uma ação propositada de alguém, o salvador. Para os cristãos, Jesus Cristo é Salvador, o Redentor da humanidade. A salvação é completa quando a situação é mudada e o perigo foi completamente eliminado. Os golpistas e terroristas se consideram os salvadores da pátria, da família e de Deus.

Medo, liberdade e salvação, são termos que revelam um perfil psicológico comum entre indivíduos que passaram do extremismo de ideias para ações terroristas e golpistas. Há décadas as pesquisas psiquiátricas vem mostrando que existe um transtorno mental específico que é associado ao terrorismo, não só enquanto ato, mas também em opiniões, ideias e posições políticas. Isto significa na ideia do terrorista que é preciso alcançar seus objetivos por meio de atos violentos. A psicologia moderna descreve que os terroristas são influenciados por emoções doentias, raiva, ódio, preconceitos, assumindo comportamentos míopes e cegos.

Essas concepções de medo, liberdade e salvação tornou-se um problema para os 611 homens presos no Centro de Detenção Provisória II (Papuda), 305 mulheres detidas na Penitenciária Feminina (Colmeia) em Brasília, e 460 pessoas sendo monitoradas por tornozeleiras eletrônicas, em processo de julgamento e aguardando punição.

Infelizmente, lamentamos tal ignorância sociopolítica exposta ao mundo em 08 de janeiro. Resta-nos a esperança de constituir um povo brasileiro com qualificada educação e cultura, sábio e adepto a democracia e a tolerância política, sujeitos de elevada consciência civilidade.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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