Fratelli Tutti – Em Defesa da Política
Há um fenômeno que, a cada período eleitoral, volta e ganha força em nosso país. Falo dos políticos que dizem odiar a política. São detentores de cargos públicos ou candidatos, de situação ou de oposição, que dizem que política é tudo sujeira, que os políticos não prestam para nada, que são todos corruptos, ladrões, falsos...e, no entanto, estas mesmas pessoas lutam com unhas e dentes para manter ou conquistar cargos ou para elegerem seus amigos e aliados!
Estranho fenômeno. Mas fenômeno que é real. Todos podemos constatá-lo, desde o nível municipal até o federal. Onde ele nasce e como ele se alimenta? Em primeiro lugar, há de se dizer que não é um fenômeno moral. Se fosse um julgamento moral sincero, estas pessoas não seriam candidatas e, as que não o são, deixariam de participar dos processos políticos. De fato, o desprezo e a satanização da política fazem parte de um projeto político que consiste em afastar os cidadãos da sua responsabilidade nas decisões que dizem respeito a toda a comunidade. Para os mal-intencionados, quanto menos as pessoas participam da política, melhor. Esse é o sonho de todos os ditadores e de todos os corruptos.
Se vamos ao sentido último da política, constatamos que ela é a arte de organizar a vida em sociedade. Ninguém nasce, nem vive e nem morre sozinho. Todo o percurso de nossa existência é feito em sociedade. Dependemos dos outros para viver e com nosso trabalho contribuímos para que outras pessoas vivam. A regulação dessa troca entre os seres humanos e os vários grupos que compõem a sociedade e a humanidade se chama política.Política local, regional, estadual, nacional, internacional. Toda a convivência humana, próxima ou distante, é uma convivência política.
Conforme a análise do Papa Francisco, no capítulo V da Fratelli Tutti, há dois modos de destruir a convivência social e geral o caos e a opressão. O primeiro, é o populismo demagógico. Fenômeno bastante conhecido entre nós: falsos líderes que utilizam as expectativas populares para manipular o povo. Estabelecendo uma relação direta entre o líder, o condutor, o coronel, o “mito” e as massas necessitadas, destroem as instâncias institucionais para impossibilitar qualquer forma de controle e limitação a seus projetos e seus poderes.
O outro modo de destruir a convivência política, é o projeto liberal – também bastante conhecido entre nós – que alimenta o “dogma de fé” de que não há necessidade de organização social ou do Estado. Na utopia liberal, cada um busca por sua própria conta e risco a solução para seus problemas, contra tudo e contra todos. Na verdade, nesse modelo, o que vale é a lei do mais forte: “quem pode mais, chora menos”. E os fracos sempre perdem...
Para construir a fraternidade universal e a amizade social, não há caminho fora da política. Em outras palavras, é no esforço perseverante em construir e reforçar as instituições sociais – associações, movimentos populares, sindicatos, partidos políticos - e, através delas, cuidar dos mais fracos e velar pelo bem comum, que se dão os passos para uma convivência humana digna para todos.
Nesse sentido, a política é a prática coletiva do amor cristão. Ajudando uma pessoa necessitada que está ao nosso lado, estamos praticando a caridade que ajuda essa pessoa concreta a sair de sua situação de dor, sofrimento ou miséria. Isso é importante e necessário. Envolvendo-nos na política, temos a possibilidade de ajudar não apenas uma pessoa, mas toda a coletividade a fim de que outras pessoas não venham a cair nessa situação ou mais rapidamente posam dela sair. É urgente que os cristãos passemos da caridade individual à caridade política.
Essa é a via para a remoção dos muitos obstáculos que impedem a fraternidade universal e a amizade social. Não há outra. Na convivência entre os humanos, sem política, não há salvação!
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