Deus, escondido? Um inerte? Um Ser presente e atuante?
Durante séculos a filosofia grega pensou no sentido da existência humana, a explicação dos fenômenos da natureza e à existência de Deus. Em razão de sua produção intelectual, atribui-se aos gregos a paternidade da civilização. Hoje, vinte séculos depois, o ser humano produz sem pudor as mais terríveis atrocidades e crueldades e nos perguntamos: onde está Deus? Porque Ele não intervém? Será que Ele existe? Eis alguns lamentos de nosso tempo.
O ser humano ao sentir-se ferido moralmente, se pergunta pelo ato desumano e busca compreender os paradoxos da vida a partir da existência e da ação de Deus. A cada tragédia climática, desastre socioambiental e ato desumano invoca-se a respeito de Deus e de sua ação. Nas entre linhas da pergunta já tem uma resposta da existência e ação de Deus, correlacionada a paz humana e a harmonia cósmica. Deus poderia ter evitado qualquer parto humano doloroso e não intervenção deixa em dúvida se ele estaria ausente da realidade que envolve o ser humano.
Nestes últimos anos, aconteceram fatos para muitas pessoas se fazerem a interrogação a respeito da existência e da ação de Deus. A pandemia da covid-19 que impactou negativamente a população mundial e que levou 15 milhões de pessoas a óbito, as guerras intermináveis entre países que deixam incontáveis vítimas inocentes, os desastres climáticos e socioambientais que atingem os quatros cantos do mundo destruindo cidades inteiras, famílias e outros fatos, endossaram questionamentos pela presença de Deus e por sua ação. Muitos destes acontecimentos expuseram a incapacidade das autoridades mundiais e de seus governos, as fraquezas humanas e estimularam seres humanos a uma revolta com Deus.
Esta revolta é compreensível da parte de quem perdeu seus entes queridos pela pandemia, guerras, desastres naturais. Obviamente, Deus não ignora as trágicas situações, sobretudo, as provocadas pela violência humana. Deus tem ciência da força da natureza e da violência que está subjacente nas relações humanas. A morte de seu Filho Jesus Cristo é a denúncia da ação desumana e das forças do mal que perpassa toda a história da civilização. O lenho colocado nos ombros de seu Filho é sinal da violência do ser humano sedento de poder e de domínio sobre o mundo (João 19,17).
O desejo de domínio entranhado nas autoridades religiosas e políticas foi confrontado com o mandamento do amor anunciado por seu Filho Jesus Cristo (Mateus 22,34-40). Estas autoridades com o coração cheio de ódio e de violência buscaram fazer de Jesus um desprezador da vida, ao passo que Ele morreu para afirmar até o extremo o valor da vida. Deus deixa claro aos algozes de seu Filho que o mandamento do amor e sua ação são pela vida e que Ele age para que ela seja plena em abundância (João 10,10). Na cruz, Deus demonstrou sua ação amorosa extrema para que sua obra não seja confiscada pelos malfeitores desse mundo (Lucas 11,42-48). Ao crucificarem seu Filho por ter escolhido o lado dos oprimidos, convidou a todos a agirem pelo mandamento do amor, transformar o mundo e as pessoas (Mateus 12,50).
Em toda história Deus se revela na ação. Age por meio da palavra dos profetas, por pessoas de bom coração e justo, por meio da atitude e da iniciativa em defesa da vida humana. Deus está na ação, no interior dela. Deus não está fora do mundo. A teologia cristã ensina esta unidade entre a ação de Deus e a nossa. Nos cristãos e não-cristãos conscientes, justos e leais aos valores do Evangelho, Deus faz da história uma oportunidade diária para realizar seu projeto, diz o teólogo José Comblin.
Dia após dia a presença e a ação de Deus precisam ser renovadas. A renovação da presença e ação de Deus tornou-se responsabilidade dos seres humanos. Agir neste mundo, é antes de tudo, fazer acontecer o projeto de Deus. O agir de um cristão é um fazer a vontade de Deus diariamente. Alguns cristãos se sentem perturbados ao tomarem consciência que sua missão é estar a serviço da ação divina e viver em função dela neste mundo. Durante milênios e séculos Deus revela-se e age por meio de seus eleitos, patriarcas, matriarcas, profetas, apóstolos, cristãos e pessoas que respondem ao seu projeto que é de promoção, libertação e salvação humana.
Frequentemente encontramos visões deformadas a respeito da revelação e da ação de Deus, muitas embasadas nos reversos da vida. Outros deixam de acreditar em Deus porque ele não interveio numa situação específica, como evitar alguns desastres e tragédias que assolam a humanidade. Em nível individual muitas crises e rejeição da fé na revelação e na ação de Deus nascem justamente do choque, por vezes brutal, entre as nossas concepções religiosas infantis com o mistério insondável de Deus e seus desígnios serem diferente do que pensamos. Nosso encontro pessoal por vezes não condiz com a verdadeira natureza de Deus. As religiões da humanidade têm colaborado na deformação da revelação ativa de Deus, voltam-se para seus ritos e suas concepções teológicas impedindo que ação divina se manifeste com sua profecia.
A partir do iluminismo (1685) o exame crítico das religiões, das experiências de fé e a relação com Deus foram abrindo novas perspectivas, como a diferença entre sagrado e profano, histórico e transcendente. A tendência do estudo crítico é usar a palavra como elemento configurador da revelação e da ação de Deus. Mas a revelação e a ação de Deus são maiores daquela contida nos textos bíblicos da Antiga Aliança em que o profeta era “boca de Deus” (Jeremias 15 e 19). A era cristã também fortalece a ideia que Deus falou pelos profetas (Atos dos Apóstolos 7,31ss) e que continua a falar através deles e pela boa ação humana (Lucas 1,7; Hebreus 1,1; 2Pd 1,21).
A encarnação de Jesus revelou-se como acontecimento de maior magnitude da ação de Deus pela humanidade (João 1,14). Jesus é a figura real, visível e palpável da revelação e da ação de Deus. Jesus mesmo louva ao Deus Pai pela experiência da revelação, ocultada aos sábios e entendidos, manifesta aos humildes e pequeninos (Mateus 11,25-27). A revelação e ação de Deus é nosso grande “depósito da verdade” (Escrituras) que se deve conservar e transmitir fielmente e porque ele “é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça” (2Timóteo 3,16).
Nas tragédias, Deus age pelo médico e enfermeira que socorrem os feridos, no cozinheiro que prepara alimentos aos famintos, na pessoa que distribui sanduíche a multidão desabrigada, no diplomata que esforça-se pelo fim das guerras, nas milhões de pessoas que prestam solidariedade às famílias vitimadas, nos milhões de anônimos que rezam pelo fim da violência bélica e humana.
Obviamente, que Deus não está com aquele que promove a guerra, violência, comercialização das armas bélicas e nas autoridades sedentas de poder, domínio e de empoderamento econômico e político.
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