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Comunidade: um entendimento de vida em comum

Miguel Debiasi

Geralmente, as histórias da mitologia grega e as narradas pelos pais têm como objetivo ensinar as pessoas a alcançarem o sábio discernimento na vida. Por outro lado, mostrar a necessidade de escapar de qualquer armadilha que possa ameaçar a vida. Hoje, diante do individualismo, uma narrativa que precisa ser feita é justamente sobre o sentido de viver em comunidade: um entendimento de vida em comum ao cidadão cosmopolita.

Neste sentido, há narrativas mitológicas da cultura grega que oferecem elementos primordiais para entender as relações humanas, o mundo, a vida enquanto cidadão. A cultura grega é repleta de histórias, contos, lendas sobres deuses e deusas para explicar o sentido da vida humana. As narrativas descrevem caminhos para que as pessoas possam viver da melhor forma possível em seu tempo, em sua comunidade. Nos textos da Sagrada Escritura existem narrativas semelhantes às da mitologia grega, como a história de Adão e Eva. Como se sabe, seu castigo teria sido por comerem o fruto da Árvore do Conhecimento, então acabaram expulsos do paraíso (Gênesis 3). Na Bíblia, o paraíso é o lugar ou a comunidade em que se vive sem problemas, há somente a felicidade.

Na mitologia grega Trofônio é conhecido como um dos mais célebres arquitetos da Antiguidade. Apolo mandou chamar Trofônio e Agamedes pediu-lhe que construíssem um templo. Os dois pensaram o projeto do templo digno de um deus e ao concluir a obra chamaram Apolo, que ficou maravilhado com a beleza e perguntou aos construtores qual o preço do trabalho. Como não tinha calculado o preço, Apolo deu-lhes uma enorme sacola repleta de moedas de ouro para que fosse gasta em sete dias. Pois, no oitavo dia eles receberiam o pagamento que seria o maior prêmio que um mortal poderia ambicionar. Durante uma semana Trofônio e Agamedes fizeram todas as vontades: comeram das mais deliciosas iguarias, tomaram do melhor vinho, viajaram, compraram roupas, dançaram, cantaram e ouviram os melhores sábios do universo e possuíram as mais lindas mulheres até gastarem a última moeda.

No oitavo dia a cidade inteira aguardava Trofônio e Agamedes no templo de Apolo para ver o prêmio maravilhoso que a divindade lhes prometera. Porém, como não aparecessem, correram até a casa deles e ali encontraram os dois deitados, imóveis, dormindo o sono eterno com um sorriso nos lábios. Morreram de tanta felicidade por terem realizado tudo o que desejavam.

Há muitas outras histórias da mitologia grega que falam das condições da vida humana, mas o mito de Trofônio remete para a busca que toda pessoa ambiciona na vida: a felicidade. A mensagem muito semelhante é a de Adão e Eva. Eram livres para suas escolhas, mas destas depende toda felicidade, sucesso ou também o fracasso da vida, a infelicidade. Expulsos do paraíso, o castigo de Adão e Eva virou assombração sobre seus descendentes, Caim e Abel (Gênesis 4), que representam a história da civilização, a luta do homem contra o próprio homem. A perda da felicidade acontece quando não se sabe o significado da vida.

Em contrapartida, nos textos sagrados a reconquista da felicidade passa pela vida de comunidade, como narra o livro do Êxodo. Nele são descritas as condições para alcançar uma sólida comunidade humana: ela nasce do entendimento de que a vida é vivenciada em comum. O ponto de partida da felicidade é pertencer à vida de comunidade e respeitá-la. Tal entendimento deve ser o ponto de partida e a linha de chegada das pessoas que constituem uma comunidade. Somente a comunidade assegura a felicidade, dignidade, justiça e as iguais condições aos seus membros.

A vitalidade da comunidade está no entendimento de que é preciso ter uma vida em comum. Como diz o filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman “a comunidade passa a ser o círculo aconchegante”. No caso do Brasil, conforme dados do IBGE, é país do mundo de maior desigualdade social, revela da distância para seus cidadãos alcançarem a felicidade. Enquanto não houver a consciência do significado da comunidade - o entendimento de uma vida em comum - se imputarão maiores sofrimentos aos empobrecidos e ao povo.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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