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As escolhas antiéticas voluntárias

Miguel Debiasi

 

Aristóteles (384 a 322 a.C.), filósofo do período clássico na Grécia Antiga, é o grande pensador que influenciará toda a história da filosofia. O pensador deixou escrito apenas 22 longos textos sobre Metafísica, Lógica, Ética, Empirismo e Sistematização das áreas de conhecimento. Seu legado é imprescindível em nosso tempo e para a posteridade. Esta crônica recorre ao texto da Ética a Nicômaco para despertar consciência da realidade a que é submetido o povo, a empírica ou a real como entende Aristóteles.

A obra Ética a Nicômaco é organizada em dez livros e a porta de entrada de sua reflexão é a questão das virtudes éticas. As virtudes éticas é o acatamento de um princípio racional, construído por duas partes. Uma é o acatamento da necessidade de um princípio racional e a outra do ser obediente a ele mesmo. Aristóteles as apresenta como virtudes intelectuais e virtudes morais. A sabedoria, o entendimento e a prudência são virtudes intelectuais. A generosidade e a temperança são virtudes morais. Uma pessoa sábia, portanto, ética, cultiva essas virtudes que Aristóteles chama de disposições dignas de louvor. Conduzir a vida nesse princípio chega à virtude perfeita, daquela conduta e a prática ética incontestável. A natureza não oferece essas virtudes, mas ela nos confere a capacidade de recebê-las, aprimorá-las e amadurecidas pelo hábito.

A pessoa recebe as virtudes e por tê-las recebido e as praticado aprende a fazer as coisas nas disposições morais, correspondente ao estado ético, do princípio racional, do agir de acordo com a justa razão. Essas virtudes permitem um delineamento e um conjunto de preceitos a serem observados e utilizados para uma estrutura da vida humana, aquela da correta conduta. Por essas virtudes é possível a escolha daquilo que tem valor em si mesmo e que possui a qualidade em que se realiza o justo ato de caráter moral, qualificado de conhecimento e de consciência ética. As virtudes intelectuais e morais, para Aristóteles constituem as razões das escolhas. O humano pelas escolhas intelectuais e morais pode evitar toda atitude que se corrompe e que causam dores e sofrimento.

Para Aristóteles há três coisas que constituem os motivos da escolha. Também são três os motivos para evitar a escolha. Os motivos que constituem a escolha são: o nobre, o útil e o prazeroso. Os motivos opostos da escolha que deve ser evitada são: o vil, o nocivo e o doloroso. Na lógica do filósofo grego é provável que o homem bom aja corretamente e que o mau incorretamente, contudo a respeito do prazer, pois este é comum a todo ser humano e aos animais inferiores. Obviamente, a escolha pelo nobre e útil sempre são prazerosas. Além do princípio racional, o prazer e a dor são motivos da escolha para tornar justo e moderado todas as atitudes e atividades humanas. As virtudes são disposições com que a pessoa estabelece o ético e seu oposto, o injusto.

As economistas Tereza Campello e Sandra Brandão, publicaram um artigo na Folha de São Paulo em 03 de junho, descrevendo os fracassos do golpe de 2016 e os responsáveis pela volta da fome, desemprego, recessão econômica, perda da seguridade social, precarização da saúde, da educação e da infraestrutura no Brasil. O artigo enfatiza que em 2014, ao informar a saída do Brasil do Mapa da Fome, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) associou o feito histórico à estratégia que combinou: aumento da oferta de alimentos e da renda aos pobres, geração de emprego, distribuição de renda pelo Programa Bolsa Família, acesso a Merenda Escolar e as ferramentas da internet para todas as classes sociais, a Transparência da Governança e a participação da sociedade pelo Programa Social com Políticas Públicas.

O retorno da fome ao Brasil iniciou com Michel Temer com a chamada Reforma Trabalhista que aprovou a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos nº 95/2016, conhecida como a Emenda do Congelamento por 20 anos. A aplicação da Emenda resultou no desmonte do Programa Social de Políticas Públicas implantado no Brasil desde 2003. Com o mínimo de investimento de recursos públicos o desemprego passou para a casa de dois dígitos desde 2016, cresceu a parcela de trabalhadores sem direitos trabalhistas, de renda baixa e de situação social instável. A Reforma Trabalhista resultou na extinção de um Programa Social de Políticas Públicas, que era acompanhado e supervisionado pela ONU, pelo governo federal de Michel e de Bolsonaro.

Levo-me acreditar que existe no Brasil uma parte da elite e da classe dominante que desejam acabar com a fome, desemprego, miséria social e trabalham por um país mais justo para todos os cidadãos brasileiros. Mas também tenho ciência que outra parte da elite e da classe dominante deseja aumentar os sofrimentos do povo à custa de manter seus próprios benefícios e ganhos privados. Esta parte escolhe a política governamental e institucional controlando o papel do Estado e o domínio dos recursos públicos para seus interesses. Suas escolhas não são providas da virtude intelectual e moral. Ninguém acha ético congelar por 20 anos os recursos para as necessidades mais básicas de uma população em prol do favorecimento dos mais afortunados do país.

Aristóteles, analisando a realidade do povo brasileiro diria que essa escolha por parte da elite e da classe dominante é a mais perversa, do vil, do nocivo, do doloroso. Essa escolha perversa é articulada por séculos em nosso país, que a todo preço controla o Estado e o submete ao seu serviço privado ou de terceiro. Será preciso libertar o Estado desse jugo desigual que é um grave pecado social de nosso tempo (Mateus 11,28-30). É tempo de novas escolhas, daquelas que se baseiam ao princípio racional e que acatam sua necessidade, aquelas das virtudes éticas que se apresentam mais intelectuais e morais. Parece-nos que por essa escolha poderemos sonhar com uma população com as virtudes da sabedoria, do entendimento, da prudência, da generosidade e da temperança.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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