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As abelhas do Frei Clair Zanotto Soster

Miguel Debiasi

O filósofo contemporâneo, o Irmão João Alberto Wohlfart, aprofundando os estudos filosóficos da Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, escreve: “A crise ecológica expressa uma ruptura radical no tecido Universo, na relação fundamental do homem com o meio ambiente, mas relações sociais globais e no interior do próprio homem”. O homem é ser de rupturas. Romper é próprio do homem. Mas a vida sustentável passa pelas harmonizadas e amplas correlações eco planetárias. Essas correlações são desafios da civilização do século XXI.

O Papa Francisco com a Encíclica Laudato Si chama atenção a um dos grandes problemas da civilização contemporânea, do descuido com aquilo que é bem para todos: A Casa Comum. O termo Casa Comum refere-se ao Planeta Terra. Inspirado no Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, o Papa define o Planeta Terra como a Casa Comum, que pode ser comparada ora a uma mãe, que acolhe os filhos, ora a uma irmã, com quem partilhamos nossa vida. Na gravidade do descuido da Casa Comum o pontífice argumenta que é urgente protegê-la para seu desenvolvimento sustentável e integral.

A crise do meio ambiente rompe a perspectiva de uma comunidade cósmica, diz o teólogo Leonardo Boff. É preciso pensar numa comunidade cósmica integral a partir da Teosfera, segundo tudo está em Deus e Deus está em tudo. Tudo está em Deus significa que Deus é a finalidade de tudo. Tudo o que ocorre no mundo, de alguma maneira, afeta Deus. E tudo o que ocorre em Deus, de alguma maneira, afeta o mundo. Em suma, o Criador envolve sempre a criatura e vice-versa para o bem da criação.

O irmão João escreve que Deus e Universo constituem-se um no outro e um pelo outro, e aparecem em sua plena riqueza mutuamente implicados e relacionados. É como dizer que Deus sem Universo não seria Deus, e o Universo sem Deus não teria significação espiritual. Deus no Universo é plenamente Deus porque nele se revela, se concretiza e se dá a conhecer, e nele se diferencia. Dentro do Universo, Deus se desenvolve em processo trinitário, pelo plano amoroso recíproco entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Em Deus o Universo recebe plena significação e se desenvolve num processo evolutivo. O Universo pela crise ecológica do descuidado da Casa Comum rompe com a correlação entre a estrutura dos ecossistemas do Planeta e a estrutura espiritual, portanto, com Deus e sua criação.

Para o Papa Francisco, Leonardo Boff e o irmão João, o sistema do Planeta Terra e o sistema de relações de sustentabilidade constituem uma única realidade: da humanidade radicada no sistema do Planeta Terra e do Planeta Terra radicado nas relações sociais e espirituais. Nessa lógica, pode-se dizer que a ressurreição de Cristo caracteriza uma revolução cosmológica, na medida em que tudo transforma, atualiza e restabelece na plenitude da vida planetária, afirma o irmão João.

É da percepção de todos que a economia, atividade comercial e industrial não sustentável leva ao desaparecimento de água, florestas, bosques, biomas, biodiversidades. A perda da biodiversidade como de espécies que no futuro serão importantes não só para alimentação, mas também para a cura de doenças e de vários outros serviços. Em contrapartida, é preciso cultivar uma ecologia integral para garantir e desenvolver a variedade de plantas, animais e os microrganismos que fornecem alimentos, remédio e grande parte da matéria-prima consumida pelo ser humano e a indústria.

As abelhas são animais que exercem funções fundamentais para o desenvolvimento dos microssistemas do Planeta Terra, como: da sobrevivência de muitas espécies de plantas, sendo fundamentais para o aumento da produtividade agrícola e para o sustento de espécies de aves e mamíferos que se alimentam de frutas e sementes, que através da polinização cerca de 80% das plantas se reproduzem. Calcula-se que no mundo existem 20 mil espécies conhecidas de abelhas, sendo sete famílias distintas. No Brasil as abelhas foram trazidas pelo padre Antônio Carneiro em 1839, com a intenção de produzir cera para a fabricação de velas. Em 1956 foram trazidas para Camaquã na região de Rio Claro (SP), as abelhas africanas altamente produtivas e com o intuito de um melhoramento genético e que levasse a maior produção de mel do país.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 a produção do Brasil era de 42 mil toneladas de mel anual. O Rio Grande do Sul produz 6.318 toneladas anuais, representando 15% da produção do País, sendo o principal produtor nacional há mais de uma década. O potencial apícola do Estado está nas regiões da Serra, Norte, Noroeste, Planalto e Centro, até a metade sul de seu território. Nessas regiões há flores e água, elementos fundamentais para a abelha que produz mel, própolis, pólen, geleia real e cera.

Frei Clair Zanotto Soster é um exímio apicultor e que há cinco décadas cuida da cadeia produtiva de mel dos Freis Capuchinhos do Rio Grande do Sul, mediante longas jornadas de trabalho. Capacitado por cursos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Frei Clair desenvolve uma Apicultura sustentável e com muita propriedade entende das condições e de todo o processo produtivo de mel: da cadeia apícola, da localização ideal dos apiários, da florada abundante, da água de qualidade, do ambiente saudável, dos equipamentos de trabalho, do posicionamento das colmeias, do preparo do terreno, do isolamento das formigas, da densidade de abelhas na microrregião, do método da captura de enxames com caixa-isca, do manejo das colmeias, da alimentação dos enxames e de sua sanidade, colheita dos favos e extração do mel.

Frei Clair criou um vínculo sustentável com as abelhas, com o geossistema da natureza apícola e com ecossistema, preservando todos os componentes que se encontram numa relação sistêmica. Como bom franciscano capuchinho sabe com propriedade que os recursos do Planeta Terra estão todos relacionados uns com os outros e, interatuam com a esfera cósmica e com a sociedade humana. Assim, os frades e muitos outros podem desfrutar do puríssimo mel de abelha extraído dos favos pelas mãos do Frei Clair. Anualmente todo trabalho é reiniciado na mesma dedicação sem a perda de uma espécie de vegetais e animais, como das frágeis abelhas, preservando a biodiversidade e a Casa Comum. Logo, é possível viver e produzir sem romper as correlações sociais eco planetárias.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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