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Advento, tempo de inversão de perspectivas

Miguel Debiasi

 

Na Igreja Católica o Tempo do Advento inicia um novo ano litúrgico, da feliz espera da vinda do Senhor. Nas Igrejas cristãs, o Advento é o período de renovação da vida humana e das esperanças à luz do Senhor que vem. No plano de Deus, o Advento é convite a toda humanidade unir-se pelo mistério do Natal Senhor. Para todos, o Advento pode representar o tempo de inversão de perspectivas de vida.

O termo advento, na palavra latina adventus, significa vinda. As quatro semanas de Advento para a Igreja é tempo de preparação para celebrar o maior acontecimento da história, o nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Acontecimento que segundo o Evangelho ocorreu na estrebaria (Lucas 2,1-20), símbolo da exclusão social e dos despojamentos.

Durante as quatro semanas preparatórias, ouviremos pela Liturgia cristã o convite para preparar a chegada, da vinda de Cristo. Sabemos que Ele já veio numa pequena cidade de Belém, povoado da Judeia, onde nasceu o filho de Maria (Lucas 2, 3-4), também chamado pelo nome de Emanuel, o Deus que está conosco (Mateus 1,23-24). No Advento, preparamos corações e mentes para redimensionar novamente a vida no Salvador que se encarnou: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de uma mulher” (Gálatas 4,4).

São Cirilo de Jerusalém diz que o Advento é um tempo que exala a vinda de Jesus, do pequeno menino e também rei revestido de glória (Mateus 2,11-12). O Advento de Cristo, não é um só, mas também o segundo, muito mais glorioso que o primeiro, aquele revestido de sofrimento que traz consigo o diadema do reino divino, diz São Cirilo.

Quanto mais nos aproximamos da manjedoura, lugar da encarnação de Deus, experiência dos pastores de Belém (Lucas 2,15-20), a alegria invade o coração e a mente. A palavra alegria do latim gaudia e gaudium, é a intensa e agradável alegria que se sente quando um fim é alcançado e encontra a plena realização. O nascimento do Senhor traz a maior alegria para a humanidade, porque Deus se encarnou, no Filho feito carne e que veio habitar entre nós (João 1,14).

A alegria que provoca mudança de perspectiva deveria ser constante na vida de todas as pessoas, afirmou o bispo do século IV, São Basílio de Cesareia. Trata-se de sentir aquela alegria que não vem do exterior, mas do interior, que resulta da vida, da alma, que é capaz de suportar as perseguições por causa de Cristo Jesus. Aquela alegria que impõe cruzes porque é dada a viver segundo Cristo Jesus.

São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, séculos IV e V, diz que alegria não segue a riqueza, nem a saúde do corpo, nem a glória, nem o poder, nem mesmo a pessoa que está cheia de roupas caras, mas a alegria segundo Deus. A alegria segundo Deus, adquire a virtude, porque vem de Deus e alegra a vida humana. É a alegria de Deus que acompanha a pessoa humana, aquela que não pode ser tirada (João 16,22). Santo Agostinho, bispo dos séculos IV e V, dizia que todas as pessoas têm a necessidade de inebriar-se nas alegrias do Senhor.

Advento comunica que a vinda e o nascimento do Senhor é a alegria na realidade humana. O cenário mundial de hoje diz que nunca tivemos tanta necessidade de dimensionar a vida no caminho do Senhor. As guerras entre países, grupos sociais, conflitos políticos e religiosos, migrações forçadas de populações, pobreza e abismo entre ricos e pobres, destruição do meio ambiente por ganância de capital. Isto é apenas uma face do cenário que mostra o quanto a humanidade está longe de entender o significado do Natal, do acontecimento da manjedoura.

O Papa Francisco diz que vivemos num mundo onde cada pessoa briga pelas suas ideias, criando preconceitos, excluindo os outros que são diferentes de nós e de nossa cultura. Para o pontífice, só superamos essa realidade mundial entrando no caminho do Advento que é tempo de inversão de perspectivas, pela qual, nos deixamos maravilhar pela grandeza da misericórdia de Deus que se encarnou num lugar símbolo do despojamento do poder e das pretensões humanas.  

No Advento tudo inspira mudança de perspectiva. As cidades, igrejas, ruas, praças, casas, são tomados pelos símbolos como do presépio que apontam para o Menino Deus. Esta simbologia, junto a Palavra do Senhor, se bem compreendida, pode representar que a humanidade precisa caminhar rumo à vontade de Deus. O Filho nascido numa estrebaria veio ao nosso encontro com amor predileto pelos seres humanos feridos.

O Advento dá início à um novo ano no calendário litúrgico, é a época da luz, da reflexão, da espiritualidade, da caridade em dimensão de mudança de perspectiva de vida. Como o próprio termo diz da palavra latina adventus – chegada, que seja um tempo de pôr fim a toda ação humana maléfica e assumindo a mais benéfica possível para a humanidade.

A cada Advento a Igreja espera que as tradicionais celebrações, orações e liturgias representem o fortalecimento das virtudes cristãs de amor, alegria, esperança, paz e das obras do Reino de Deus. Que os símbolos natalinos espalhados por todas as cidades, ruas, praças, casas representem que a humanidade precisa de mudança de perspectiva, de tomar o caminho do bem comum.

Enfim, independentemente de qualquer interpretação e prática religiosa e cultural, que o Advento seja um apelo para mudança de perspectiva, da conversão para o caminho onde todos tenham a vida digna e respeitada, a mais sagrada que os bens materiais e superior ao empoderamento humano. Advento é convite para voltar olhares para a manjedoura, local que foi colocado o Menino Deus, o Salvador do mundo. Se assim fizermos, seremos redimensionados em nossa vida, celebraremos novamente o Natal como o maior acontecimento da humanidade. 

 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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