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A justiça tem o peso da classe social

Miguel Debiasi

“A justiça é para os pobres”. “A cadeia é para o ladrão de galinha”. Certeza dos cidadãos comuns. As razões são óbvias para tal convicção. A convicção não poderia ser outra em atual cenário nacional. Infelizmente, os magistrados estão associados às classes sociais. Por isto, a justiça sempre corre risco de ser parcial.

O conceito de justiça está relacionado à interação social, à ideia de estado ideal para toda a coletividade. Na verdade, a justiça é algo estabelecido para representar de forma razoável o equilíbrio e a imparcialidade entre os interesses das pessoas e dos grupos sociais. Contudo, a ideia de justiça é alvo de controvérsia entre os pensadores das ciências humanas. Na doutrina da Igreja Católica a justiça “é uma das quatro virtudes cardinais”. Conforme o Direito Canônico, a justiça consiste “na constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido” (Cân. 381). Quanto ao termo, as classes sociais se referem às pessoas que têm status social estabelecido por vários critérios. O econômico é o critério cabal para a identificação da classe social. Por conseguinte, a aplicação da justiça está muito relacionada com a classe social. Infelizmente, no Brasil ultimamente tem sido reforçada essa prática.

O famoso “jeitinho brasileiro” constitui uma cultura corrompida de forma generalizada. No entanto, tirar proveito não é exclusividade da baixa classe social. Ao contrário, todo tipo de vantagens são facilitadas para a classe social mais abastada. Em cenário nacional de grande conflito ideológico, político, judiciário e econômico, decisões do Supremo Tribunal Federal confirmam a regra da parcialidade da justiça. Políticos, empresários e servidores públicos que estão no centro das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público são julgados segundo sua classe social. As sentenças homologadas pela justiça brasileira são diferenciadas para pessoas que cometeram os mesmos crimes. Para alguns políticos e empresários que representam a alta classe social são concedidos habeas corpus e prisão domiciliar, permissão para residir no estrangeiro, continuar no Congresso Nacional com exorbitantes salários e até arquivamento das denúncias impetradas pelo Ministério Público. Em contrapartida, a outros investigados é decretada a prisão preventiva, bloqueio de bens e contas bancárias, quebra de sigilo bancário e telefônico, suspensão dos direitos políticos, às vezes sem a comprovação material do ônus da culpa.

Temos visto representantes da justiça julgarem segundo a probabilidade da repercussão social e mediática da sentença. A impressão é que são mais políticos do que juristas. Em razão disto se afastam da justiça. Ansiosos pelos holofotes e mídia, condenam sem prova cabal de culpa, com base em delações. O termo delatar provém do latim delatum, que quer dizer acusado ou denunciado. O método de investigação do Ministério Público é este de favorecer o acusado que denuncie mais alguém para diminuir sua própria pena.

Com base nesse método duvidoso de investigação, a sentença é decretada sob a tese de presunção de culpa que contraria o Código de Direito Civil e Processual Penal brasileiro. No entanto, reza o Direito Civil e Processual que na falta de provas a sentença é favorável ao réu. Ou seja, é incabível a condenação sem a materialização da prova. Mas, para alguns denunciados que representam os interesses da alta classe social, mesmo com fartas provas documentais, são concedidos o arquivamento da denúncia e a liberdade. Em contrapartida, aos denunciados que representam os interesses das classes sociais populares é atribuído o ônus da culpa mesmo que provada a inocência. Logo, quem julga é parcial, por representar uma classe social.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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