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A guerra, uma violência organizada

Miguel Debiasi

 

A história da civilização está farta de guerras. Em todas elas o perdedor é o povo e o vencedor é o Estado. Os motivos para a guerra são os mesmos de sempre: disputa por território, religião, política, economia e ideologia. Estes assuntos são explosivos. São motivos para matar e o Estado não teme em financiá-los. Haveria uma força maior e capaz de impedir a guerra? Algo maior que o Estado?

Enquanto houver Estados fortes haverá guerras. A justificativa do Estado para a guerra é defender sua soberania. Para o Estado a guerra é sempre justa. Ela precisa ser eficaz. Nenhum Estado entra em guerra contra outro sem calcular suas condições bélicas (Lucas 14,31-32). Sem calcular os apoios financeiros, seus aliados políticos, as forças religiosas e ideológicas de sustentação. A guerra é uma violência organizada, pensada e planejada. Ela é um caminho sem volta. O Estado vai a guerra para eliminar o adversário.  

Na filosofia antiga e para um de seus maiores representantes, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a. C.), o Estado deve ser sempre temível frente a outro, ou corre risco de ser invadido em uma guerra. O filósofo e teórico político inglês Thomas Hobbes (1588-1679), um dos importantes pensadores da Idade Média, o Estado é a instituição que assegura à liberdade de cada indivíduo dentro da coletividade e que impõe certa restrição para cessar o estado de guerra de todos contra todos. Para o alemão Hegel (1770-1831), um dos maiores pensadores contemporâneos, o Estado é um organismo ético, verdadeiro representante da vontade universal e subjetiva, um ser em-si e para-si mesmo, a totalidade plena.

Na concepção filosófica nada há acima do Estado e ele precisa ser reconhecido por outro para que tenha sua legitimidade e soberania absoluta. A guerra é sempre uma disputa de Estado. Para a filosofia política a guerra é legítima quando considerada transitória porque contém em si a possibilidade de paz. A guerra é válida para a saúde moral dos povos, renovando a vaidade dos bens e coisas temporais. Ao Estado cabe à disputa pelo bem particular, seu bem-próprio.

A guerra possui uma racionalidade. É uma violência organizada. Hoje temos as guerras bélicas acontecendo e a guerra atômica que entra na ordem das possibilidades. Quem as promove são os Estados e não os povos. São os Estados que fazem guerra com forças armadas institucionalizadas e formadas profissionalmente. Um povo pode ser manso e pacífico, mas governado por um Estado belicista. A guerra é uma questão dos Estados e dos Exércitos. Toda guerra é reflexo da política, da religião, da economia e da ideologia do Estado. Ela obedece a estes fins do Estado, diz o teólogo José Comblin.

No cenário mundial é possível vermos nas guerras em curso à disputa pelo domínio geopolítico e de territórios. O povo e a consciência moral não podem intervir pelo fim da guerra, ainda que haja uma grande multidão que protesta contra as guerras. Estamos numa ordem interestatal e as organizações mundiais como a Organização das Nações Unidas (ONU) que vigoram as relações e leis internacionais para ditar a justiça são impotentes para eliminar a guerra. A razão desta realidade continuar é simples: por causa da soberania dos Estados. Os Estados são soberanos e cabe a ele definir quando fazer uso da violência armada. Ao Estado por mais que sacrifique milhões de inocentes à guerra é justa, justificada moralmente.

Nesta concepção, o Estado é uma organização armada, com seus exércitos. Em muitos casos, o Exército é maior que o Estado, as ditaduras provam essa realidade. Nenhuma outra instância é capaz de contestar o Estado, constituído para salvaguardar soberanamente a nação. Toda consciência moral e ética fica tímida diante desta realidade, para não correr o perigo de ser acusada de pôr-se contrária ao Estado. Em muitos casos, quem questionou o Estado foi preso, exilado ou jogado ao mar num saco. Para o Estado o armamento e a violência são sagrados.

O Estado pode manipular facilmente o povo para apoiar a guerra. Ele dispõe de muitos meios para influenciar a consciência do povo, basta manipular as informações e reduzir sua participação. Em nosso tempo, os meios de comunicação são assessoria para esta influência, onde o Estado continua sendo o senhor absoluto da informação. Cinco grupos político-econômicos detém o absoluto controle da comunicação e das informações mundiais, todos servem ao Estado mais poderoso economicamente. Obviamente, pelos quais nunca saberemos da verdade real sobre as guerras.

O Estado com suporte dos grandes grupos de comunicação, que são também poderosos grupos econômicos, facilmente manipulam a consciência do povo e os impulsos coletivos. Tudo manipulam para seu proveito, sentimentos profundos que penetra na psicologia das pessoas e do povo. A manipulação da consciência e dos impulsos são tão latentes, que basta apelar para o patriotismo, a pátria, a bandeira, a religião e a terra. As pessoas identificam o Estado como sua pátria. O Estado como sua bandeira, sua religião e sua terra. O Estado com o suporte dos grandes grupos de comunicação social manipula tudo, o sentimento de patriotismo, pátria, bandeira, religião e terra para justificar que tudo está a perigo e fazer crer que a guerra é a defesa da soberania e do povo.

É inútil pressionar o Estado para pôr fim à guerra, ele sempre alegará um ato em legítima defesa de seus direitos. O Estado invocará o direito de se defender, portanto, de fazer guerra, de recorrer às armas. Para quem governa, todo ato de guerra é sagrado para o Estado. Em muitos casos, em virtude das alianças políticas, econômicas, religiosas, militares e ideológicas, os Estados apoiam toda guerra que um aliado promove. A credibilidade das alianças passa pelo apoio financeiro e incondicional a guerra que promove um aliado.

Seria ingenuidade acreditar que a guerra termina pela força da oração. Um caminho mundial de impedir a guerra seria a população mundial revoltar-se contra os mandatários dos Estados. Ir às ruas, ocupar as praças, deitar-se em frente dos palácios dos mandatários. Defender a ideia de criar um Estado mundial que assessore os Estados nacionais sob leis, em vista do bem comum. Fazer circular as informações entre todos os povos para que fure as fronteiras da informação controlada pelos grandes grupos de comunicação.

Evita-se a guerra ao expor mundialmente as fraquezas do Estado, da religião, do patriotismo, estes não suportam a humilhação. Esta parece ser nossa responsabilidade de cidadãos, articulados e organizados em legítima defesa da própria vida e do outro, da paz entre todos. Enfim, resta-nos participar de toda reação mundial organizada pelo povo e torcer para que ela seja mais bem pensada e planejada que a guerra que mata milhões de inocentes.     

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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